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Medicamento para a atenção ajuda a reter a memória
Droga receitada para criança hiperativa aumentou taxa de lembrança em experimento com adultos de diversas idades
Memorização de fatos banais cai a partir dos 40 anos, mas cientista diz que mudança pode ser sinal de uma vantagem cognitiva
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um experimento que investigou a deterioração da memória
ao longo do envelhecimento
mostrou que uma droga usada
para tratar déficit de atenção
em crianças hiperativas pode
aumentar a taxa de lembrança
em pessoas de todas as idades.
O metilfenidato -conhecido
pelo nome comercial ritalina-
fez com que pessoas de todas as
idades tivessem pontuação melhor em testes de memória, afirmam pesquisadores da PUCRS
(Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
O objetivo primário do experimento relatado em estudo na
revista "PNAS" (www.pnas.org), porém, não era sugerir o
uso de drogas para melhorar o
desempenho cognitivo, e sim
investigar os mecanismos neurológicos envolvidos na memorização. A descoberta que os
cientistas descrevem é que o
desempenho de adultos para
reter memória só tem declínio
quando são consideradas informações "incidentais".
Comparada a uma pessoa de
25 anos, por exemplo, outra de
45 anos tem mais dificuldade
para lembrar a que filmes assistiu na TV na semana passada.
Usando familiares "infiltrados"
na casa dos voluntários da pesquisa, os neurocientistas Iván
Izquierdo e Martín Cammarota
conseguiram comprovar isso.
Essa diferença poderia ser
explicada apenas pelo fato de
que adultos mais velhos acumulam mais responsabilidades
e precisam lidar com mais informação. O uso da ritalina, porém, fez com que o desempenho dos adultos mais velhos
melhorasse nos testes, mostrando que a teoria da "cabeça
cheia" não é 100% válida. Há
um claro componente biológico
envolvido no processo, afirmam os cientistas, que deram a
droga apenas a voluntários que
já a haviam tomado no passado.
Besteiras deletadas
Izquierdo, porém, explica
que a dificuldade para reter memórias incidentais não é um sinal de deterioração mental e
pode até estar ligada a características que conferem vantagem a pessoas acima dos 40.
"Nós não incentivamos [o uso
dessa droga] e, pelo contrário,
estamos dizendo claramente
que essa perda de memória não
necessariamente deve ser tratada", disse o neurocientista em
entrevista à Folha. "Pode ser
que essa persistência limitada
da memória seja útil, porque
então nós não enchemos a cabeça de besteiras -como os filmes de TV da semana passada- e passamos a nos lembrar
mais das coisas importantes."
Um segundo teste conduzido
pelos pesquisadores foi diferente, e pediu aos voluntários
para memorizar um pequeno
texto em vez de espioná-los no
sofá de casa. O desempenho dos
adultos de 41 a 50 anos foi praticamente o mesmo dos voluntários de 16 a 40, em provas
aplicadas dois e sete dias após a
leitura. Para esse tipo de memória "formal", dizem os cientistas, não ocorre declínio significativo com a idade.
Pílula do estudo
O uso da ritalina, porém, melhorou o desempenho de todos
os voluntários no teste. (Veja
quadro acima, à esquerda).
Segundo Cammarota, isso
mostra que a persistência de
uma memória pode ser manipulada após a sua aquisição,
com drogas que promovam a
dopamina, um transmissor de
impulsos nervosos no cérebro.
"A administração de ritalina 12
horas depois das circunstâncias
a serem lembradas melhorou
tanto as memórias dependentes da idade [incidentais] quanto as independentes", diz.
Intelectuais dos EUA relatam
que já há universitários e pesquisadores saudáveis consumindo ritalina para melhorar a
atenção nos estudos. Izquierdo
diz não saber se os resultados
de seu trabalho vão incentivar o
uso da droga também no período pós-12 horas, quando a memória ainda se consolida.
"Não acho uma boa idéia",
diz. "Drogas usadas de forma
crônica podem ter conseqüências secundárias sérias e, se
uma droga requer receita para
um tratamento em particular, é
para isso que deve ser usada."
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