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Tratores continuam ceifando a floresta
Sobrevôo feito ontem em Mato Grosso revela que plano do governo para frear desmate pode ter chegado tarde demais
Além dos novos caminhos abertos para o gado na Amazônia, pátios das madeireiras estão cheios de toras prontas para a entrega
Jorge Araújo/Folha Imagem
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Máquinas trabalham para arrastar árvores amazônicas já derrubadas e fazer a limpeza do local para o gado poder pastar em uma fazenda no município de Alta Floresta, no norte de Mato Grosso
RODRIGO VARGAS
JORGE ARAÚJO
ENVIADOS ESPECIAIS A ALTA FLORESTA
(MT)
Um dia depois de o governo
federal anunciar a suspensão
de licença de desmate em 36
municípios que concentram
50% do desmatamento na
Amazônia, os tratores de esteira não interromperam o trabalho de abrir caminho para a
agricultura e a pecuária em
áreas nativas de Alta Floresta e
Paranaíta, no extremo norte de
Mato Grosso (830 km de Cuiabá). Os municípios constam da
lista de maiores devastações divulgada anteontem.
A reportagem da Folha sobrevoou por uma hora, em uma
avião monomotor, trechos de
floresta dos dois municípios.
Próximo a Paranaíta, um trator
e um caminhão, com cerca de
quatro pessoas, derrubavam as
árvores. O sobrevôo foi feito
nas mais recentes derrubadas
na região, ocorridas entre os
meses de novembro e dezembro. O roteiro foi traçado com
base nas coordenadas obtidas
pelo sistema Deter (Detecção
do Desmatamento em Tempo
Real), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Além de confirmar a precisão do levantamento feito por
satélite -ainda não haviam sido retirados ou queimados os
restos florestais-, a reportagem constatou que o ritmo da
devastação não parece ter sido
alterado pelo anúncio das recentes medidas de controle. E
que, ao menos naquela região,
as medidas adotadas podem ter
chegado tarde demais.
O método da devastação começa com madeireiros derrubando com motosserra árvores
selecionadas, que depois vão se
transformar em madeiras nobres. Em seguida, vêm os tratores, que derrubam as árvores
remanescentes e que, depois,
serão queimadas, para limpar a
área que será usada pelo gado.
A reportagem também fez
sobrevôo sobre algumas madeireiras. Nos pátios, grandes
depósitos de toras e centenas
de cargas de madeira serrada já
prontas para o transporte. No
rumo norte, em direção ao limite da fronteira agrícola, na
divisa com o Estado do Pará,
um mosaico irregular era formado por pastagens, manchas
esparsas de gado, cursos d'água
degradados ou interrompidos
por represas particulares. Tudo isso em meio a ilhas, cada
vez menores, de mata.
Foram vistas estradas recém-abertas em meio à floresta, um indicativo seguro de onde serão os novos desmates.
Em um desses trechos, ainda
em Paranaíta, um trator de esteira trabalhava em uma nova
derrubada. Perto dali, um igarapé (rio pequeno) repleto de
buritis (espécie de palmeira)
cortado ao meio e aterrado para a passagem de uma estrada.
O ambientalista Laurent Micol, que atua na região pela organização não-governamental
ICV (Instituto Centro de Vida),
afirmou que é evidente a retomada da devastação. "Mesmo
que os números estejam abaixo
do registrado em anos críticos,
é nítida a atual tendência."
Segundo ele, a recuperação
financeira do agronegócio é a
hipótese mais provável para
explicar o avanço sobre novas
áreas. "Desmatamento é investimento por parte do produtor
rural. E ele só pode fazer isso se
estiver capitalizado."
Essa hipótese ganha mais
força quando leva-se em conta
a crise que atingiu o agronegócio entre 2005 e 2006. "Existe
uma ligação entre preços de
commodities e desmatamento.
Os preços de um ano influenciam os números do ano seguinte. Neste momento, os
preços estão muito altos."
Em Alta Floresta, antes de
realizar o sobrevôo nas áreas
devastadas, a reportagem ouviu o gerente do sindicato dos
produtores rurais, que inclui
agricultores e pecuaristas, Rogério Rizo. Ele disse considerar
"um equívoco" a presença do
município na lista dos maiores
devastadores da floresta.
Outro lado
Após o sobrevôo, a reportagem procurou o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente, em
Brasília. As assessorias dos dois
órgãos não encontraram ninguém para comentar o caso até
as 19h40. Em Alta Floresta, na
sede do Ibama, também ninguém atendeu o telefone.
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