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MEDICINA
Molécula ligada à perda de peso em pessoas com tumor também pode participar de metástases, diz grupo da USP
Proteína emagrece e causa volta do câncer
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Como se não bastasse a devastação que causa ao fazer definhar
pessoas com câncer, a proteína
conhecida como PIF acaba de adicionar mais um efeito nefasto a
seu currículo: pesquisadores da
USP e do Instituto Ludwig descobriram que uma variante dela pode estar ligada às metástases, o espalhamento do câncer para outros órgãos do corpo.
Em parceria com colegas no
Reino Unido, os cientistas também identificaram, em experimentos com animais, o gene que
contém a receita (sequência) para
a fabricação da proteína e confirmaram seu papel letal no câncer.
Por outro lado, isso não quer dizer que a PIF não tenha também
um lado "bom". É possível que,
um dia, ela seja utilizada para tratar pessoas com obesidade.
Isso, contudo, ainda está no futuro distante, alerta José Ernesto
Belizário, 44, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da
USP que estuda a molécula há
mais de dez anos. "Isso poderá ser
realidade um dia, mas ainda precisamos de muito mais testes em
animais para começar a pensar
nisso mais seriamente", afirma.
A sigla inglesa PIF (fator de indução de proteólise) diz muito sobre o papel da molécula. Proteólise é o processo de destruição das
proteínas, e é exatamente isso o
que a PIF desencadeia. A ação dela, porém, não se restringe às proteínas: os lipídios (gorduras) também são digeridos, e as células começam a morrer.
Causa de morte
O resultado disso tudo é uma
perda de peso violenta, batizada
de caquexia (em grego, "má condição"). Embora outros fatores
estejam em ação além da PIF, ela
parece ser a causa mais importante do problema, ligado a cerca de
20% das mortes por câncer.
Quando o sequenciamento do
genoma humano foi publicado,
em 2001, a equipe da USP, que já
sabia quais aminoácidos compunham a PIF, pôs-se em busca do
gene cuja sequência de "letras
químicas" na língua do DNA especifica a sequência de aminoácidos, que fazem as vezes de "letras"
no idioma das proteínas. A equipe
conseguiu identificar o gene correspondente e, de posse dessa informação, começou a testar os
efeitos da molécula.
Em experiências com camundongos, feitas em parceria com
Michael Tisdale, da Universidade
Aston, no Reino Unido, Belizário
avaliou se apenas um tumor era
capaz de causar a caquexia.
Alguns dos roedores receberam
células tumorais que continham o
gene da PIF humana, enquanto
outros foram enxertados apenas
com o tumor. Como era de se esperar, os que receberam a PIF
perderam peso e morreram mais
depressa.
A equipe da USP também começou a investigar se variantes da
PIF, que em organismos normais
aparece em quantidades muito
pequenas, poderiam estar implicadas em tumores mais graves.
Com a ajuda de Ana Maria Camargo, do Instituto Ludwig de
Pesquisa sobre o Câncer de São
Paulo, Belizário começou a investigar o DNA de amostras de tumores de mama, examinando o
gene que codifica a PIF.
Gene ampliado
Os cientistas notaram então algo curioso. Dos 20 casos de câncer
estudados, 8 tinham uma variante
desconhecida do gene. "Não sabemos ainda a função dele. Por
enquanto, verificamos que ele
tem um éxon [parte do gene que
codifica uma proteína] a mais que
a versão normal", diz Belizário.
Seja qual for o efeito, contudo,
coisa boa não é. Todas as pacientes que tinham a forma nova do
gene haviam desenvolvido metástases ou formas mais graves da
doença do que as presentes nas
demais mulheres. "Isso poderia
ser um indicador do aparecimento de metástases", diz Belizário.
Para o pesquisador, o futuro da
PIF pode não estar só em diagnósticos precoces de metástase, mas
no tratamento do mal que anda
afetando cada vez mais pessoas: a
obesidade. "Embora ela afete tanto as proteínas quanto a gordura,
você poderia tentar modificá-la
para que ela fique mais específica,
atuando só sobre os lipídios", especula Belizário.
Dessa forma, o obeso não teria
de se ver perdendo músculos junto com a gordura. Mesmo assim,
o pesquisador diz que a ação da
PIF sem a "parceria" com os tumores não seria tão arrasadora.
Um outro caminho, que ainda
precisa ser elucidado com mais
calma, é o aparente efeito da proteína no sistema nervoso central.
Há indicações de que ela poderia
funcionar como um controlador
do apetite, ao invés de só digerir a
pessoa por dentro.
"Mas é bom deixar claro que esse tratamento para obesidade é algo para o futuro. Para isso, precisamos de mais testes em camundongos e macacos, e do interesse
de empresas", diz Belizário.
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