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São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003

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MEDICINA

Molécula ligada à perda de peso em pessoas com tumor também pode participar de metástases, diz grupo da USP

Proteína emagrece e causa volta do câncer

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Como se não bastasse a devastação que causa ao fazer definhar pessoas com câncer, a proteína conhecida como PIF acaba de adicionar mais um efeito nefasto a seu currículo: pesquisadores da USP e do Instituto Ludwig descobriram que uma variante dela pode estar ligada às metástases, o espalhamento do câncer para outros órgãos do corpo.
Em parceria com colegas no Reino Unido, os cientistas também identificaram, em experimentos com animais, o gene que contém a receita (sequência) para a fabricação da proteína e confirmaram seu papel letal no câncer.
Por outro lado, isso não quer dizer que a PIF não tenha também um lado "bom". É possível que, um dia, ela seja utilizada para tratar pessoas com obesidade.
Isso, contudo, ainda está no futuro distante, alerta José Ernesto Belizário, 44, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que estuda a molécula há mais de dez anos. "Isso poderá ser realidade um dia, mas ainda precisamos de muito mais testes em animais para começar a pensar nisso mais seriamente", afirma.
A sigla inglesa PIF (fator de indução de proteólise) diz muito sobre o papel da molécula. Proteólise é o processo de destruição das proteínas, e é exatamente isso o que a PIF desencadeia. A ação dela, porém, não se restringe às proteínas: os lipídios (gorduras) também são digeridos, e as células começam a morrer.

Causa de morte
O resultado disso tudo é uma perda de peso violenta, batizada de caquexia (em grego, "má condição"). Embora outros fatores estejam em ação além da PIF, ela parece ser a causa mais importante do problema, ligado a cerca de 20% das mortes por câncer.
Quando o sequenciamento do genoma humano foi publicado, em 2001, a equipe da USP, que já sabia quais aminoácidos compunham a PIF, pôs-se em busca do gene cuja sequência de "letras químicas" na língua do DNA especifica a sequência de aminoácidos, que fazem as vezes de "letras" no idioma das proteínas. A equipe conseguiu identificar o gene correspondente e, de posse dessa informação, começou a testar os efeitos da molécula.
Em experiências com camundongos, feitas em parceria com Michael Tisdale, da Universidade Aston, no Reino Unido, Belizário avaliou se apenas um tumor era capaz de causar a caquexia.
Alguns dos roedores receberam células tumorais que continham o gene da PIF humana, enquanto outros foram enxertados apenas com o tumor. Como era de se esperar, os que receberam a PIF perderam peso e morreram mais depressa.
A equipe da USP também começou a investigar se variantes da PIF, que em organismos normais aparece em quantidades muito pequenas, poderiam estar implicadas em tumores mais graves.
Com a ajuda de Ana Maria Camargo, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, Belizário começou a investigar o DNA de amostras de tumores de mama, examinando o gene que codifica a PIF.

Gene ampliado
Os cientistas notaram então algo curioso. Dos 20 casos de câncer estudados, 8 tinham uma variante desconhecida do gene. "Não sabemos ainda a função dele. Por enquanto, verificamos que ele tem um éxon [parte do gene que codifica uma proteína] a mais que a versão normal", diz Belizário.
Seja qual for o efeito, contudo, coisa boa não é. Todas as pacientes que tinham a forma nova do gene haviam desenvolvido metástases ou formas mais graves da doença do que as presentes nas demais mulheres. "Isso poderia ser um indicador do aparecimento de metástases", diz Belizário.
Para o pesquisador, o futuro da PIF pode não estar só em diagnósticos precoces de metástase, mas no tratamento do mal que anda afetando cada vez mais pessoas: a obesidade. "Embora ela afete tanto as proteínas quanto a gordura, você poderia tentar modificá-la para que ela fique mais específica, atuando só sobre os lipídios", especula Belizário.
Dessa forma, o obeso não teria de se ver perdendo músculos junto com a gordura. Mesmo assim, o pesquisador diz que a ação da PIF sem a "parceria" com os tumores não seria tão arrasadora.
Um outro caminho, que ainda precisa ser elucidado com mais calma, é o aparente efeito da proteína no sistema nervoso central. Há indicações de que ela poderia funcionar como um controlador do apetite, ao invés de só digerir a pessoa por dentro.
"Mas é bom deixar claro que esse tratamento para obesidade é algo para o futuro. Para isso, precisamos de mais testes em camundongos e macacos, e do interesse de empresas", diz Belizário.


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