São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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ARTIGO

Pontes está longe de ser o prato forte do programa espacial brasileiro

JOSÉ MONSERRAT FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não temos, nem teremos, em futuro previsível, um programa espacial tripulado. Não precisamos sonhar tão alto para atender às nossas necessidades de conhecimentos geoespaciais para fomentar o desenvolvimento nacional, nosso imperativo maior.
Vale para o Brasil o que disse o pai do programa espacial da Índia, Vikram Sarabhai: "Não temos a fantasia de competir com países economicamente avançados na exploração da Lua ou de planetas ou com vôos tripulados. Mas, estamos convencidos de que, se nos cabe desempenhar um papel importante, no país e na comunidade das nações, não devemos ficar atrás de ninguém na aplicação das tecnologias avançadas nos problemas efetivos do homem e da sociedade".
Índia e Brasil se iniciaram nas atividades espaciais no começo doa anos 1960. A Índia está hoje bem à frente, com um orçamento espacial beirando meio bilhão de dólares -mais de cinco vezes o nosso. Produz e lança os próprios foguetes e satélites. Coloca-os, inclusive, na órbita geoestacionária.
Certo, a Índia também teve um astronauta: Rakesh Sharma, que voou numa nave Soyuz em 1984. Sua principal ocupação foi tirar fotos multiespectrais do norte de seu país, em missão de apoio à construção de Usinas Hidrelétricas no Himalaia. Era astronauta convidado, não pagante, e seu trabalho a bordo teve vinculação direta com um projeto estratégico para o desenvolvimento da Índia.
O Brasil também está comprometido a "desenvolver e utilizar tecnologias espaciais na solução de problemas nacionais".
Ocorre que, em 1997, tivemos de firmar um estranho acordo com os EUA, quando da visita do então presidente Bill Clinton. Assumimos os encargos de fabricar peças para a parte americana da ISS, no valor de cerca de US$ 120 milhões, e de pagar a formação de um brasileiro na Nasa, para voar num ônibus espacial. Até hoje não produzimos as peças. Mas o astronauta seguiu treinando.
Em 2003, o nosso foguete VLS-1 explodiu no Centro de Alcântara, ceifando 21 vidas. O presidente Lula prometeu a reconstrução do VLS-1 e novo lançamento antes do fim de seu mandato (2006). Os russos vislumbraram um bom negócio e propuseram atualizar o VLS-1. Depois, ofereceram a ida do brasileiro à ISS pela nave Soyuz, por cerca de US$ 10 milhões. O governo comprou o pacote.
O acordo sobre o VLS-1 ainda não foi assinado, mas o astronauta já está subindo. A mídia em geral o trata como o "prato forte" de nosso programa espacial. Não é e está longe de ser.
Cabe ao próprio desfazer o engano. E dar visibilidade ao que de mais relevante fazemos no espaço hoje: conhecer nossos recursos naturais, graças ao acordo com a China, que já lançou dois satélites de sensoriamento remoto (Cbers-1 e 2) e lançará mais três até 2010; introduzir a base de Alcântara no mercado mundial de lançamentos comerciais, com base no acordo com a Ucrânia e com outros países também interessados em lançar foguetes dali; construir outros satélites e um geoestacionário, indispensável às nossas comunicações; construir foguetes, a começar pelo novo VLS-1, capazes de nos abrir novas portas no espaço e aqui na Terra à nossa indústria. São objetivos úteis e produtivos, de longo alcance: fomentam a competência do país.
Esse discurso daria sentido à missão do astronauta.


José Monserrat Filho, advogado e jornalista, é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Espacial


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