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Nasa adota cautela para voltar à Lua
Nova política e orçamento apertado não impedirão a missão tripulada prevista para 2015, diz o engenheiro do projeto
Segundo Brian Muirhead
acidentes de 1999 e 2003
pesaram na transformação
da agência, que ainda quer
pôr astronautas em Marte
Pat Sullivan/Associated Press
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Técnicos da Nasa preparam o novo traje espacial que será usado na missão para Lua em 2015 |
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quatro anos após a perda do
ônibus espacial Columbia, a
Nasa está sucumbido a política
da cautela. O antigo bordão
"Mais rápida, mais barata e melhor", que marcou a administração da agência espacial dos
EUA na virada do século, vem
desaparecendo de vez do repertório dos seus engenheiros.
Mesmo com esse cuidado (e
sem garantia de orçamento), a
Nasa exibe confiança de que levará astronautas de volta à Lua
em 2015. A missão seria um
"trampolim" para chegada depois em Marte.
Hoje, mesmo avessa a bordões, a agência poderia adotar
um slogan como "Assuma riscos, não falhe". Este é o título
de uma palestra que Brian
Muirhead, ex-engenheiro-chefe do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) -o grande berçário de tecnologias da Nasa-
vem ministrar no Brasil no mês
que vem (para empresários,
não para cientistas).
Em entrevista por telefone à
Folha, Muirhead, que acaba de
assumir a chefia de engenharia
do futuro programa tripulado à
Lua, falou sobre o novo espírito
da agência.
FOLHA - A proposta da missão tripulada à Lua enfrentou críticas do
grupo que defende as missões robóticas. Como o sr. acha que o orçamento da Nasa deve ser equilibrado?
MUIRHEAD - Essa é uma questão
importante com a qual temos
de lidar continuamente. Já trabalhei no lado robótico e nas
missões tripuladas também e
sei que há um papel para cada
uma delas. No meu entendimento, os robôs são muito capazes, mas existe um limite. Os
jipes em Marte hoje podem fazer coisas incríveis tomando algum tempo, mas um geólogo
humano pode fazer o mesmo
em uma pequena fração desse
tempo. Ele poderia cobrir muito mais do planeta e ter muito
mais idéias sobre o que está se
passando em Marte.
FOLHA - A Nasa está enviando uma
sonda a Marte em agosto, a Phoenix, para procurar água. O que ela
pode achar de novidade?
MUIRHEAD - A Phoenix vai para
uma latitude alta, cerca de 60
norte, onde há gelo na superfície ou perto da superfície. Isso é
novo. A missão foi projetada
para escavar esse gelo e recolher amostras para análise em
seus instrumentos. Será possível analisar a assinatura química do passado desse gelo e, talvez, achar evidências de compostos relacionados a processos biológicos. Não se trata de
encontrar coisas vivas lá, mas
de procurar por evidências da
química da vida.
FOLHA - Ainda há esperança de se
encontrar água líquida em Marte?
MUIRHEAD - Acho que pode
existir embaixo da superfície.
Não há nada líquido sobre a superfície, mas é totalmente possível que existam aqüíferos ou
reservatórios subterrâneos estáveis. Em parte, é por isso que
temos missões com radares como os da sonda Mars Reconnaissance Orbiter e Mars Express, da Europa, procurando
por esse tipo de evidência subterrânea.
FOLHA - Ainda vale a pena procurar
por vida em Marte?
MUIRHEAD - Absolutamente
sim. Isso é o que nossa missão
subseqüente, a Mars Science
Laboratory fará. Ela vai além
do "geólogo móvel" que foi a
Pathfinder e que o os jipes Spirit e Opportunity são. Ela vai
carregar um pacote científico
em que poderá fazer bioquímica, não apenas geologia. Queremos levá-la a um lugar onde a
água líquida possa ter existido
por muito tempo. A questão
passaria a ser se a vida teve ou
não tempo para surgir lá.
FOLHA - A Phoenix vai achar um
bom lugar para uma missão tripulada descer?
MUIRHEAD - A Phoenix, não.
Mas missões futuras com o
mesmo perfil da Mars Reconnaissance Orbiter -com uma
câmera de alta resolução e um
radar- seriam bastante úteis
para identificar um bom ponto
de aterrissagem. Mas estamos
ainda longe de escolher um.
Queremos achar um lugar que
tenha água líquida -ou mesmo
gelo- na superfície ou não
muito longe dela. Seria um lugar possível para produzir propelente [combustível], quebrando a água em hidrogênio e
oxigênio para o retorno, o que é
uma idéia importante.
FOLHA - Quando poderemos ver a
próxima espaçonave tripulada indo
para Lua?
MUIRHEAD - Estamos trabalhando com uma data em 2015,
quando devemos ter um novo
sistema integrado de foguete e
módulo de tripulação. Mas vai
depender, é claro, do financiamento. Infelizmente, a base
dos financiamentos do governo
dos EUA é anual e manter a
agenda das missões depende da
continuidade dos recursos.
FOLHA - O que a Nasa pretende estudar na Lua?
MUIRHEAD - Vamos pesquisar
coisas sobre a natureza da Lua
que nos ajudem a entender,
primeiro, coisas sobre ela mesma -como ela surgiu- e depois a sua relação com a Terra.
O surgimento desses sistemas é
ainda um pouco misterioso para a ciência.
FOLHA - Quais são os próximos lançamentos de sondas do JPL?
MUIRHEAD - Nós temos a Phoenix em agosto e a Dawn, que fará um encontro com um asteróide, em junho.
FOLHA - Você se envolveu pessoalmente com a missão Dawn?
MUIRHEAD - Até um mês atrás
era engenheiro-chefe do JPL e
estava envolvido com todas as
missões, voltado para supervisão técnica. Estou bastante familiarizado com a Dawn e com
a Phoenix, a Mars Science Laboratory, a Kepler e outras missões. Um dos privilégios de trabalhar no JPL é que fazemos
ciência de todo tipo lá, sempre
ao lado da astronomia e da exploração planetária.
FOLHA - A missão Dawn foi quase
cancelada no ano passado. Ela ainda
corre esse risco?
MUIRHEAD - No ano passado estávamos sob grande pressão.
Houve problemas técnicos.
Hoje, missões como essa freqüentemente são vendidas
com custo fixo: nós nos comprometemos a fazê-las por uma
quantia de dinheiro exata. Os
problemas ao longo do desenvolvimento das ações resultam
em aumento de custo às vezes.
Isso ocorreu com a Dawn, mas
a Nasa garantiu que a missão
vai continuar. A sonda terá um
encontro com um asteróides
muito grande e também com
um planeta-anão.
FOLHA - A Nasa está conseguindo
tornar suas missões mais baratas?
Dá para fazer isso mais vezes hoje?
MUIRHEAD - Infelizmente, me
parece que não, com os recursos que temos. As expectativas
de sucesso são sempre muito
grandes e temos de ser mais
cuidadosos hoje do que provavelmente éramos no passado.
Então, infelizmente, a tendência é que haja menos missões,
pelo menos por enquanto. Pode ser que ocorra uma mudança e se volte aos tempos em que
se faziam as coisas no modo
"mais rápido, mais barato e melhor", que não é a forma como
estamos operando hoje.
FOLHA - A causa disso foi a perda
de sondas em Marte em 1999 e do
ônibus espacial em 2003?
MUIRHEAD - Sim. Nós aprendemos muitas lições com essas
missões, incorporamos novos
processos e ficamos muito mais
rigorosos no modo com que
projetamos e inspecionamos
nossas espaçonaves. Isso é parte do processo que implantamos como engenheiros e cientistas para prevenir erros futuros e tentar melhorar nossa
qualidade geral. Mas isso tem
um preço. Esse esforço extra
tem de ser pago.
FOLHA - Na época das missões
Apolo, argumentava-se em favor de
pagar caro por elas porque elas geravam como subprodutos tecnologias que eram aproveitadas em laboratórios e fábricas na Terra. Isso
ainda ocorre hoje?
MUIRHEAD - Não. Acho que hoje
não é mais como na época da
Apolo. A exploração espacial
não está mais liderando a tecnologia como naqueles dias. As
aplicações comerciais é que estão guiando a tecnologia agora,
e nós é que estamos tentando
usar boa parte delas. Mas hoje,
nós do "ramo" da exploração
-que oferece algo que ninguém mais faz- criamos uma
oportunidade única para engajar as pessoas e dar estímulo a
elas para se tornarem engenheiros e cientistas. Achar coisas novas e ir para novos lugares faz parte do espírito humano. Acho que essa, na verdade, é
nossa grande contribuição.
FOLHA - Sobre o que o sr. vem falar
no Brasil?
MUIRHEAD - Sobre liderança,
inovação e realização de grandes coisas sob restrições muito
difíceis.
FOLHA - Isso saiu da política "Mais
rápido, mais barato e melhor"?
MUIRHEAD - Bom, o título da
apresentação é "Assuma o risco
e não falhe". Para mim, será um
prazer compartilhar o prazer
do trabalho que eu faço com
outros em campos diferentes
[empresarial] porque descubro
como os desafios são similares.
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