São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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Nasa adota cautela para voltar à Lua

Nova política e orçamento apertado não impedirão a missão tripulada prevista para 2015, diz o engenheiro do projeto

Segundo Brian Muirhead acidentes de 1999 e 2003 pesaram na transformação da agência, que ainda quer pôr astronautas em Marte

Pat Sullivan/Associated Press
Técnicos da Nasa preparam o novo traje espacial que será usado na missão para Lua em 2015


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro anos após a perda do ônibus espacial Columbia, a Nasa está sucumbido a política da cautela. O antigo bordão "Mais rápida, mais barata e melhor", que marcou a administração da agência espacial dos EUA na virada do século, vem desaparecendo de vez do repertório dos seus engenheiros.
Mesmo com esse cuidado (e sem garantia de orçamento), a Nasa exibe confiança de que levará astronautas de volta à Lua em 2015. A missão seria um "trampolim" para chegada depois em Marte.
Hoje, mesmo avessa a bordões, a agência poderia adotar um slogan como "Assuma riscos, não falhe". Este é o título de uma palestra que Brian Muirhead, ex-engenheiro-chefe do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) -o grande berçário de tecnologias da Nasa- vem ministrar no Brasil no mês que vem (para empresários, não para cientistas).
Em entrevista por telefone à Folha, Muirhead, que acaba de assumir a chefia de engenharia do futuro programa tripulado à Lua, falou sobre o novo espírito da agência.

 

FOLHA - A proposta da missão tripulada à Lua enfrentou críticas do grupo que defende as missões robóticas. Como o sr. acha que o orçamento da Nasa deve ser equilibrado?
MUIRHEAD
- Essa é uma questão importante com a qual temos de lidar continuamente. Já trabalhei no lado robótico e nas missões tripuladas também e sei que há um papel para cada uma delas. No meu entendimento, os robôs são muito capazes, mas existe um limite. Os jipes em Marte hoje podem fazer coisas incríveis tomando algum tempo, mas um geólogo humano pode fazer o mesmo em uma pequena fração desse tempo. Ele poderia cobrir muito mais do planeta e ter muito mais idéias sobre o que está se passando em Marte.

FOLHA - A Nasa está enviando uma sonda a Marte em agosto, a Phoenix, para procurar água. O que ela pode achar de novidade?
MUIRHEAD
- A Phoenix vai para uma latitude alta, cerca de 60 norte, onde há gelo na superfície ou perto da superfície. Isso é novo. A missão foi projetada para escavar esse gelo e recolher amostras para análise em seus instrumentos. Será possível analisar a assinatura química do passado desse gelo e, talvez, achar evidências de compostos relacionados a processos biológicos. Não se trata de encontrar coisas vivas lá, mas de procurar por evidências da química da vida.

FOLHA - Ainda há esperança de se encontrar água líquida em Marte?
MUIRHEAD
- Acho que pode existir embaixo da superfície. Não há nada líquido sobre a superfície, mas é totalmente possível que existam aqüíferos ou reservatórios subterrâneos estáveis. Em parte, é por isso que temos missões com radares como os da sonda Mars Reconnaissance Orbiter e Mars Express, da Europa, procurando por esse tipo de evidência subterrânea.

FOLHA - Ainda vale a pena procurar por vida em Marte?
MUIRHEAD
- Absolutamente sim. Isso é o que nossa missão subseqüente, a Mars Science Laboratory fará. Ela vai além do "geólogo móvel" que foi a Pathfinder e que o os jipes Spirit e Opportunity são. Ela vai carregar um pacote científico em que poderá fazer bioquímica, não apenas geologia. Queremos levá-la a um lugar onde a água líquida possa ter existido por muito tempo. A questão passaria a ser se a vida teve ou não tempo para surgir lá.

FOLHA - A Phoenix vai achar um bom lugar para uma missão tripulada descer?
MUIRHEAD
- A Phoenix, não. Mas missões futuras com o mesmo perfil da Mars Reconnaissance Orbiter -com uma câmera de alta resolução e um radar- seriam bastante úteis para identificar um bom ponto de aterrissagem. Mas estamos ainda longe de escolher um. Queremos achar um lugar que tenha água líquida -ou mesmo gelo- na superfície ou não muito longe dela. Seria um lugar possível para produzir propelente [combustível], quebrando a água em hidrogênio e oxigênio para o retorno, o que é uma idéia importante.

FOLHA - Quando poderemos ver a próxima espaçonave tripulada indo para Lua?
MUIRHEAD
- Estamos trabalhando com uma data em 2015, quando devemos ter um novo sistema integrado de foguete e módulo de tripulação. Mas vai depender, é claro, do financiamento. Infelizmente, a base dos financiamentos do governo dos EUA é anual e manter a agenda das missões depende da continuidade dos recursos.

FOLHA - O que a Nasa pretende estudar na Lua?
MUIRHEAD
- Vamos pesquisar coisas sobre a natureza da Lua que nos ajudem a entender, primeiro, coisas sobre ela mesma -como ela surgiu- e depois a sua relação com a Terra. O surgimento desses sistemas é ainda um pouco misterioso para a ciência.

FOLHA - Quais são os próximos lançamentos de sondas do JPL?
MUIRHEAD
- Nós temos a Phoenix em agosto e a Dawn, que fará um encontro com um asteróide, em junho.

FOLHA - Você se envolveu pessoalmente com a missão Dawn?
MUIRHEAD
- Até um mês atrás era engenheiro-chefe do JPL e estava envolvido com todas as missões, voltado para supervisão técnica. Estou bastante familiarizado com a Dawn e com a Phoenix, a Mars Science Laboratory, a Kepler e outras missões. Um dos privilégios de trabalhar no JPL é que fazemos ciência de todo tipo lá, sempre ao lado da astronomia e da exploração planetária.

FOLHA - A missão Dawn foi quase cancelada no ano passado. Ela ainda corre esse risco?
MUIRHEAD
- No ano passado estávamos sob grande pressão. Houve problemas técnicos. Hoje, missões como essa freqüentemente são vendidas com custo fixo: nós nos comprometemos a fazê-las por uma quantia de dinheiro exata. Os problemas ao longo do desenvolvimento das ações resultam em aumento de custo às vezes. Isso ocorreu com a Dawn, mas a Nasa garantiu que a missão vai continuar. A sonda terá um encontro com um asteróides muito grande e também com um planeta-anão.

FOLHA - A Nasa está conseguindo tornar suas missões mais baratas? Dá para fazer isso mais vezes hoje?
MUIRHEAD
- Infelizmente, me parece que não, com os recursos que temos. As expectativas de sucesso são sempre muito grandes e temos de ser mais cuidadosos hoje do que provavelmente éramos no passado. Então, infelizmente, a tendência é que haja menos missões, pelo menos por enquanto. Pode ser que ocorra uma mudança e se volte aos tempos em que se faziam as coisas no modo "mais rápido, mais barato e melhor", que não é a forma como estamos operando hoje.

FOLHA - A causa disso foi a perda de sondas em Marte em 1999 e do ônibus espacial em 2003?
MUIRHEAD
- Sim. Nós aprendemos muitas lições com essas missões, incorporamos novos processos e ficamos muito mais rigorosos no modo com que projetamos e inspecionamos nossas espaçonaves. Isso é parte do processo que implantamos como engenheiros e cientistas para prevenir erros futuros e tentar melhorar nossa qualidade geral. Mas isso tem um preço. Esse esforço extra tem de ser pago.

FOLHA - Na época das missões Apolo, argumentava-se em favor de pagar caro por elas porque elas geravam como subprodutos tecnologias que eram aproveitadas em laboratórios e fábricas na Terra. Isso ainda ocorre hoje?
MUIRHEAD
- Não. Acho que hoje não é mais como na época da Apolo. A exploração espacial não está mais liderando a tecnologia como naqueles dias. As aplicações comerciais é que estão guiando a tecnologia agora, e nós é que estamos tentando usar boa parte delas. Mas hoje, nós do "ramo" da exploração -que oferece algo que ninguém mais faz- criamos uma oportunidade única para engajar as pessoas e dar estímulo a elas para se tornarem engenheiros e cientistas. Achar coisas novas e ir para novos lugares faz parte do espírito humano. Acho que essa, na verdade, é nossa grande contribuição.

FOLHA - Sobre o que o sr. vem falar no Brasil?
MUIRHEAD
- Sobre liderança, inovação e realização de grandes coisas sob restrições muito difíceis.

FOLHA - Isso saiu da política "Mais rápido, mais barato e melhor"?
MUIRHEAD
- Bom, o título da apresentação é "Assuma o risco e não falhe". Para mim, será um prazer compartilhar o prazer do trabalho que eu faço com outros em campos diferentes [empresarial] porque descubro como os desafios são similares.


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