São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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ASTRONÁUTICA

Caminhada espacial acaba em menos de 15 minutos, após uma queda de pressão em traje de astronauta

Fracassa o passeio para reparar estação

Reuters/Nasa
Exterior da Estação Espacial Internacional (ISS) registrado por uma câmera instalada no complexo


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O que deveria ter sido a caminhada espacial mais difícil e arriscada já realizada durante a operação da ISS (Estação Espacial Internacional) durou apenas 14 minutos e 22 segundos. Esse fracasso reforça a noção de que está cada vez mais difícil manter o complexo sem usar os ônibus espaciais.
O astronauta americano Michael Fincke e o cosmonauta russo Gennady Padalka vestiram seus trajes espaciais e foram passear sobre o casco da estação, anteontem, com o objetivo de consertar um de seus giroscópios (sistemas responsáveis pelas mudanças de orientação do complexo).
Há quatro deles a bordo, e dois estão quebrados. O primeiro falhou há dois anos e só poderá ser reparado durante a próxima ida de um ônibus espacial ao espaço. O segundo quebrou em abril e precisava da troca de uma peça para operar. Pelo menos dois giroscópios são exigidos para controlar adequadamente a estação.
A caminhada já havia sido adiada uma vez, após a detecção de problemas com os trajes espaciais americanos alocados na estação. Ficou decidido que os tripulantes usariam os trajes russos durante a tentativa -o que, por si só, já dificultava enormemente a tarefa. Seria preciso sair da estação pelo lado russo, e o giroscópio a ser reparado estava no lado americano.
Isso não só adicionava um passeio de 30 metros da escotilha de saída até o local de trabalho como ameaçava deixar os astronautas parcialmente sem comunicação com o controle da missão -que, pelas circunstâncias, seria dividido entre Moscou e Houston, com os russos coordenando a ida e a volta dos tripulantes, e os americanos, o procedimento de reparo do giroscópio.
Para contornar os problemas, Fincke e Padalka chegaram a treinar o uso de sinais para se comunicar entre si do lado de fora. Mal os dois saíram da estação, o controle da missão detectou uma queda anormal de pressão na garrafa de oxigênio do traje de Fincke, impondo o retorno imediato.
A Nasa (agência espacial americana) e a Rosaviakosmos (sua contraparte russa) ainda não decidiram sobre quando uma nova tentativa será realizada. O esforço agora está concentrado em descobrir o problema no traje de Fincke, provavelmente ligado a uma válvula travada -e em torcer para que não ocorra falha num terceiro giroscópio, que exigiria mais improvisos para manter a estação operando.
O último episódio só reforça o estado crescente de deterioração das condições do complexo orbital, que foi projetado para receber visitas constantes do ônibus espacial -uma nave-mamute capaz de transportar até 20 toneladas.
Sem os veículos americanos, estacionados desde o acidente com o Columbia, em fevereiro de 2003, todo o abastecimento tem sido feito com naves russas Progress, que levam o equivalente a duas toneladas de suprimentos. Mesmo considerando que a maioria da carga transportada pelos ônibus consistia em novos módulos para o complexo, a diferença se faz sentir nas operações habituais.

Risco de desastre
As dificuldades já estão deixando a impressão de que a estação pode estar à beira de um desastre. O jornal norte-americano "Florida Today" publicou recentemente um dossiê apontando uma série de problemas -desde os inerentes ao projeto, como o tamanho do veículo e a falta de proteção adequada contra detritos espaciais, até os resultantes dos problemas de abastecimento.
"Concordo que a ISS está em situação pior do que estaria se estivesse sendo regularmente abastecida", diz Petrônio Noronha de Souza, engenheiro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) ligado à participação brasileira no projeto. "É uma situação conjuntural agravada pela inoperância dos ônibus espaciais."
Para ele, entretanto, os riscos inerentes ao projeto não a inviabilizam. "Se a idéia dos jornalistas e políticos americanos é ter um sistema daquela complexidade operando isento de riscos, é melhor desistir agora", diz. "O meio espacial, bem como as leis físicas e estatísticas, além dos limites da tecnologia empregada, não permitiriam, mesmo que houvesse todo o tempo e dinheiro do mundo."
De um jeito ou de outro, os envolvidos no projeto devem começar a respirar mais aliviados quando os ônibus espaciais voltarem à ativa. A expectativa é que o Discovery voe até a estação no primeiro semestre de 2005.


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