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Ciência sombria
Grupo que usa equações da física para investigar a economia tenta validar seu método com nova previsão
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Importar equações da física para usá-las na economia parece uma ideia estranha, de despertar desconfiança. Funciona mesmo? Os econofísicos, cientistas
que seguem essa linha, parecem dispostos a provar que
sim. Para isso, acabam de lançar uma previsão que desafia
economistas clássicos descrentes da nova onda: uma bolha
especulativa em crescimento
na principal bolsa de valores
chinesa, Xangai, vai estourar,
no máximo, amanhã.
O autor da previsão, Didier
Sornette, físico do Instituto
Federal Suíço de Tecnologia
(onde estudou Albert Einstein), não é futurólogo de primeira viagem. Em 2005, ele
previu que a bolha imobiliária
dos EUA estouraria no meio de
2006. Não errou. Apesar de a
crise só ter vazado para o resto
da economia em 2008, os preços das casas começaram a cair
dois anos antes.
A bolsa de Xangai subiu 65%
só neste ano e continua ladeira
acima. É um crescimento artificial, especulativo, dizem os
pesquisadores. Eles não são os
primeiros a gritar que esse
crescimento vai acabar. Mas
suas equações se destacam pela
coragem de dizer que essa bonança não passa de amanhã.
Se há uma coisa que físicos
sabem fazer é criar modelos
matemáticos. Ou seja, escrever
equações para explicar o Universo ou o núcleo de um átomo.
A econofísica faz o mesmo, mas
com o movimento da bolsa.
Sornette ressalta que "o que
nós estamos prevendo é o fim
da bolha. Pode ser um crash ou
uma queda lenta. Mas o nosso
ponto é que ela vai acabar".
Manteiga e cerveja
Físicos aparentemente gostam de ser físicos. Ernest Rutherford, pai da física nuclear,
um dia disse que "ciência ou é
física ou é coleção de selos".
Wolfang Pauli, quando sua mulher o deixou, lamentou só uma
coisa: "Mas por um químico?"
Essa fé na superioridade da
metodologia da física talvez tenha estimulado essa ciência a
se intrometer em outras áreas,
como a química e a biologia.
Francis Crick, codescobridor
da estrutura do DNA, era físico.
Foi só a partir dos anos 1990,
porém, que físicos partiram para cima da economia.
A econofísica apregoa que, se
a ciência consegue entender,
digamos, as complicadas interações entre temperatura, umidade e pressão atmosférica para fazer previsões sobre o clima, nada a impede de fazer o
mesmo com a economia.
Imagine o preço de um pote
de manteiga. A fábrica produz
sempre a mesma quantidade.
Se o preço for muito alto, sobrarão potes nas prateleiras. Se
for muito baixo, faltarão potes e
o empresário deixará de ganhar
dinheiro. O preço, então, é o
ponto de equilíbrio.
Mas a física também trabalha
com conceitos assim. Enquanto você estiver segurando a sua
lata de cerveja, ela vai esquentar. A temperatura da sua mão é
constante. Quando a lata atingir essa temperatura, ela terá
atingido o equilíbrio térmico.
A questão é que nem todos os
sistemas são tão simples como
esses. O empresário poder querer mudar a quantidade de potes que produz. Concorrentes
podem diminuir sua margem
de lucro por um tempo para ganhar mercado, mesmo ganhando menos. As pessoas podem
trocar manteiga por margarina.
E se um boato se espalhar dizendo que manteiga causa
doenças graves?
Muito mais complexo do que
administrar uma fábrica de
manteiga é compreender o
mercado de ações e os movimentos das bolsas. É o que dizem estar fazendo os econofísicos do grupo de Sornette.
De qualquer jeito
Mas, assim como no clima,
sempre haverá incerteza. Ainda porque a economia, em última análise, se baseia em decisões de indivíduos. E pensamentos podem mudar de direção bem mais rapidamente do
que massas de ar.
Mais: os modelos supõem
que os agentes econômicos
sempre tomam as decisões que
maximizam seus ganhos. Mas
humanos nem sempre agem racionalmente. E é impossível colocar a intuição nas equações.
Renato Vicente, físico da
USP, diz que não é possível
afastar nem mesmo a possibilidade de a nova previsão do grupo de Sonette "ocasionar uma
sequência de vendas de ações
na China, o que levaria a uma
profecia autossatisfeita".
"Previsões assim são muito
difíceis de fazer. Ainda que os
autores tenham evidências suficientes para crer que a valorização é uma bolha, é difícil
acreditar na precisão da data",
diz Rafael Calsaverini, doutorando em econofísica da USP.
"O próprio tema econofísica
é meio maldito. Quando uma
área dessas vira moda, o pessoal começa a fazer a coisa de
qualquer jeito. Aí tem um monte de bobagem", diz Vicente.
Não que economia fosse uma
área desprovida de equações
até a chegada dos físicos, claro.
O Nobel da Economia de 1997,
por exemplo, foi concedido a
um trabalho bastante matemático que já flertava com a econofísica. Mas a sede quantitativa dos físicos que estudam economia traz resultados inéditos.
Física para banqueiro
Nas faculdades de física, alunos enchem os anfiteatros nos
seminários sobre econofísica.
Alguns estão apenas curiosos, outros querem pesquisar o
assunto, alguns querem saber
se isso vai fazer com que possam ter carros importados.
"Hoje, muita gente já entra
em física pensando em ir trabalhar em bancos ou fundos de investimento", diz Vicente. "Muita gente está indo pro mercado
ainda na graduação."
São os "quants", corruptela
de "analista quantitativo", que
se proliferaram especialmente
depois do ano 2000. As suas
contas -tanto na calculadora
quanto no banco- até podem
impressionar, mas não evitaram a crise financeira atual.
E, para mostrar que não é de
hoje que físicos estudam coisas
que originalmente não eram física, vale dizer que Rutherford
acabou ganhando, em 1908, o
Nobel de Química, uma espécie
de troféu máximo da filatelia -
ao menos na cabeça dele.
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