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Cozinhando Katrinas
Proponente da ligação entre furacões e efeito estufa diz que lição de 2005 foi esquecida e que Nova Orleãs deveria virar campo de golfe
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
A temporada de furacões de 2007 começou em grande estilo: o primeiro do
ano, Dean, atingiu o
México na última segunda-feira como uma tormenta de intensidade 5. É a mesma potência do Katrina, que em 2005,
quando arrasou Nova Orleãs,
era considerado uma raridade.
É melhor o mundo ir se acostumando, avisa o climatologista neozelandês Kevin Trenberth. Não só a temporada de
2007 será acima da média como a própria média da intensidade dos furacões subiu. Agradeça ao aquecimento global.
Trenberth, pesquisador do
Centro Nacional de Pesquisa
Atmosférica dos EUA, em
Boulder, Colorado, foi o primeiro pesquisador a prever a
ligação entre mares mais quentes e tormentas mais intensas.
Em entrevista à Folha, ele diz
que a região do Caribe e do sul
dos EUA parece não ter aprendido a lição do Katrina: "Há
muitas construções e muita
gente em locais de risco", afirma. "Com a elevação do nível
do mar, cedo ou tarde vai ocorrer outro desastre". Diz também que está preocupado com
os rumos da reconstrução de
Nova Orleãs. Partes da cidade
que estão abaixo do nível do
mar, raciocina, deveriam virar
"um campo de golfe".
FOLHA - O primeiro furacão da
temporada de 2007 foi uma tempestade de intensidade máxima.
Vocês já esperavam por isso?
KEVIN TRENBERTH - A previsão no
início desta temporada era de
uma temporada mais ativa que
o normal. E, embora a temporada tenha demorado para começar, esta é a época do ano na
qual a atividade começa a recrudescer. Até o mês passado, a
principal ação nos trópicos estava no oceano Índico, associada a chuvas muito fortes na Índia e na China. Isso implica menos atividade no Atlântico.
Agora o Índico melhorou, o que
prepara o cenário para mais
ação no Atlântico.
FOLHA - Nós tivemos uma temporada de furacões intensa em 2005,
uma mansa em 2006 e agora em
2007 algo inteiramente diferente
parece estar acontecendo. Como é
possível depreender um padrão ou
tendência disso tudo?
TRENBERTH - A variabilidade natural é enorme, mas há tendências subjacentes. Essas tendências são melhor capturadas pela temperatura global da superfície do mar. A temperatura
global do mar subiu 0,6C, e isso em geral revigora toda a convecção tropical. E um furacão
ou ciclone tropical geralmente
é uma coleção de tempestades,
então o potencial para eventos
mais intensos está lá simplesmente porque o conteúdo de
calor do oceano e a temperatura da superfície do mar estão
mais altas. Mas há uma competição entre os oceanos para onde isso vai acontecer. Se acontecem tempestades em uma
dada região do globo, essa atividade fica suprimida em outras.
FOLHA - Um estudo seu de 2006
mostra que só é possível explicar a
violência da temporada de furacões
de 2005 quando se incluem os efeitos do aquecimento global. Mas,
neste ano, um outro estudo, que ganhou ampla divulgação, afirmou
que o aquecimento aumenta a tesoura de vento [mudança radical de
direção e ou velocidade dos ventos,
que "rasga" nuvens], diminuindo a
possibilidade de furacões. Em que
pé está essa controvérsia?
TRENBERTH - O artigo sobre a tesoura de vento falava de condições médias. Ele sugere muito
mais atividade no Pacífico e no
Índico mas diz que, por causa
da mudança na tesoura de vento, haveria menos atividade no
Atlântico. Isso é a média. Um
ano em quatro é o que você esperaria que o Atlântico saísse
desse padrão. Ainda assim, a
cada quatro anos ele seria favorável a tempestades intensas.
FOLHA - O Dean não foi uma catástrofe só porque, por sorte, atingiu
uma zona desabitada?
TRENBERTH - O dano dos ventos
e das ressacas é limitado em
área. O que causa mais danos e
não é reportado sempre são as
chuvas intensas, que podem se
estender por até mil quilômetros a partir do lugar que a tempestade atinge. No caso do Katrina, houve 75 milímetros de
chuva até a fronteira EUA-Canadá. Eu ainda não vi uma boa
avaliação dos prejuízos que o
Dean causou na Jamaica.
FOLHA - Qual é, na sua opinião, a
melhor maneira de lidar com a nova
realidade climática do Golfo?
TRENBERTH - A realidade é que o
número de tempestades mais
fortes cresceu. E as regiões costeiras, na minha visão, deveriam ter regulamentações governamentais para impedir que
se construa em algumas áreas e
deveria haver padrões de construção muito rígidos. Se você
faz uma casa alta o suficiente,
em palafitas ou algo assim, você
pode fazer um prédio resistente a um furacão de categoria 4
(embora dificilmente sobreviveria a um de categoria 5). Honestamente, há muitas construções e muita gente em locais
de risco. É um absurdo. Na minha visão pessoal, a reconstrução de parte de Nova Orleãs
não faz sentido. Com a elevação
do nível do mar, cedo ou tarde
vai ocorrer outro desastre. Não
faz sentido, mas é o que está
acontecendo. As pessoas estão
se colocando em risco.
FOLHA - O sr. está dizendo que Nova Orleãs está sendo reconstruída
do mesmo jeito?
TRENBERTH - Não, não é isso. É
que qualquer coisa que seja
construída abaixo do nível do
mar hoje está vulnerável a desastres no futuro. Toda a área
tem afundado nos últimos
anos. Partes dela, como o bairro
francês, parecem estar bem,
mas outras áreas estão abaixo
do nível do mar o suficiente para serem inundadas outra vez
numa tempestade.
FOLHA - Então essas área deveriam
ser abandonadas?
TRENBERTH - Não abandonadas,
mas podiam ser transformadas
em um campo de golfe ou algo
que não importe muito (risos).
Você não vai querer pôr ali estruturas importantes, como escolas ou coisas assim.
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