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País pobre terá meta no clima, diz Lagos
Ex-presidente do Chile e representante da ONU para mudança climática afirma que discurso de Lula ontem foi "um marco"
Para chileno, plano do Brasil
de combate ao aquecimento
abre precedente para que
comunidade internacional
fiscalize ações domésticas
EFE
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O ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos, agora enviado especial do secretário-geral da ONU para as mudanças climáticas
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O discurso do presidente
Luís Inácio Lula da Silva ontem
na ONU traz nas entrelinhas
um reconhecimento de que os
países em desenvolvimento deverão aceitar um acordo internacional em que tenham metas
para reduzir sua emissão de gases-estufa. A opinião é do ex-presidente do Chile Ricardo
Lagos, hoje enviado especial
sobre mudança climática do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Confiante de que a negociação de um acordo para suceder o Protocolo de Kyoto começará ainda neste ano, Lagos disse acreditar que a resistência dos EUA em debater o assunto
sob a égide da ONU vai acabar.
Leia a seguir a entrevista que o
diplomata concedeu à Folha
ontem, por telefone.
FOLHA - Como o sr. avalia a fala do
presidente Lula na ONU? Ela traz algo de novo ou apenas repete uma
posição histórica do Brasil?
RICARDO LAGOS - O que entendemos do presidente Lula foram
duas coisas: primeiro, que em
breve o Brasil vai lançar um
plano nacional de combate à
mudança climática, e que esse
plano nacional do Brasil deve
ser respondido perante o povo
brasileiro e também perante os
organismos internacionais. Isso quer dizer que as Nações
Unidas podem exigir que o Brasil preste contas do quão efetivamente ele está cumprindo o
plano que se impôs. Isso é importante, porque quer dizer
que, apesar de o Brasil ser um
país em desenvolvimento, ele
está disposto a que a comunidade internacional fiscalize o
que ele propõe. A outra coisa é
que, sem prejuízo da soberania
e da responsabilidade que o
Brasil tem sobre a Amazônia,
Lula assinalou a cifra importantíssima de que o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento à metade. O Brasil enviou
uma mensagem: a primeira responsabilidade é do mundo desenvolvido, mas nós, os países
em desenvolvimento, também
temos responsabilidade, não
tão alta quando a daqueles, mas
que essa responsabilidade nos
obriga a propor quais tarefas
vamos assumir. Lula estabeleceu um marco importante para
outros países em desenvolvimento e produzirá um efeito na
comunidade internacional.
FOLHA - O sr. interpreta as declarações de Lula como algo diferente de
aceitar metas obrigatórias num
acordo pós-Kyoto? Se é possível fiscalizar um compromisso doméstico,
a diferença entre isso e uma meta
obrigatória é quase semântica.
LAGOS - Claro. Um compromisso doméstico que a comunidade internacional pode fiscalizar é diferente de um compromisso doméstico que, se não for
cumprido, não acontece nada.
O presidente Lula sinalizou
que este é um compromisso doméstico que o Brasil assume
perante a comunidade internacional. Outros países também
sinalizaram isso, como o México. E pelo que conversei com o
ministro do Meio Ambiente
sul-africano há algumas semanas, a direção é semelhante.
FOLHA - Então o sr. acha que a resistência dos países em desenvolvimento a aceitar metas no período
pós-Kyoto está se rompendo?
LAGOS - Eu não falaria de todos
os países em desenvolvimento,
mas de alguns. Você não pode
colocar o Chile e o Haiti no
mesmo pé. Aos haitianos você
não pode exigir nada. Mas ao
Chile sim, porque o Chile tem
uma renda muito maior.
FOLHA - Para esclarecer: então, a
resistência de alguns países em desenvolvimento está se rompendo?
LAGOS - Sim. Acho que alguns
países em desenvolvimento entendem que também têm de
contribuir. Todos nós sabemos
que quem tem a maior responsabilidade são os países desenvolvidos. Mas acho também
que, dez anos depois de Kyoto,
há países que avançaram, cresceram e amadureceram e que
também têm responsabilidade.
FOLHA - Lula quer basear a ação
brasileira em dois pés: a redução do
desmatamento e os biocombustíveis. Mas a FAO [órgão da ONU para
a agricultura] tem apontado que
existe risco de a monocultura da cana-de-açúcar causar desmatamento
e afetar a produção de alimentos.
Esse medo tem razão de ser?
LAGOS - Isso me lembra a discussão que tínhamos antes: o
aquecimento global é um fenômeno humano ou é algo que
acontece a cada 600 mil anos
na Terra? E esse é um debate
científico. Hoje ninguém discute que o aquecimento da Terra
é produto da ação humana a
partir da Revolução Industrial.
E isso que você diz demanda
também uma resposta científica. O presidente Lula certamente fez uma defesa muito
forte do etanol biocombustíveis. Mas acho que isso, como a
questão do aquecimento global, é algo quer vai se resolver
do ponto de vista científico.
FOLHA - Qual é a avaliação que o sr.
faz da reunião de cúpula convocada
pelo secretário-geral Ban Ki-moon?
Olhando de fora, a impressão que se
tem é de que nada de importante
politicamente aconteceu.
LAGOS - Sei disso. Mas o que se
produziu de politicamente importante é que você nunca antes havia tido um dia inteiro de
Nações Unidas, com a presença
dos principais chefes de Estado
e de governo, dedicado a debater o tema. O assunto antes era:
em Bali vai haver ou não um
início de negociações? Ninguém duvida agora que haverá
um início de negociações. E digo mais: um início de negociações que vai chegar a termo. Há
dez anos estávamos discutindo
Kyoto. Hoje discutimos o que
vamos fazer depois de Kyoto,
depois de 2012. E não tenho dúvidas de que vamos chegar a um
acordo. Há quatro meses países
muito importantes diziam que
não estavam dispostos a discutir [clima] nas Nações Unidas.
E hoje, depois do que colocou o
presidente Bush [anteontem],
esse assunto está decidido.
FOLHA - Mas é estranho Bush dizer
que apóia o processo na ONU e ter
faltado à cúpula...
LAGOS - Mas foi ao jantar do secretário-geral (risos).
FOLHA - Há alguns meses Bush negava a ciência e dizia que compromissos voluntários e tecnologia
eram a melhor maneira de resolver
o problema. Hoje, diz crer na ciência,
mas que compromissos voluntários
e tecnologia ainda são a melhor maneira de atacar o problema. Houve
alguma mudança significativa?
LAGOS - A mudança foi entender que esse assunto se debate
na ONU. Agora, estamos em
negociação. Você não mostra as
cartas na primeira rodada.
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