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Universo veio com defeito de fabricação, diz estudo
Pesquisa ajuda a investigar como a matéria se organizava logo após o Big Bang
Cosmólogo afirma que área que parece grande vazio no cosmo é ilusão causada por anomalia que se originou quando o espaço esfriou
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das questões que atormentam a cosmologia atual pode ganhar uma resposta em
breve, promete um estudo publicado hoje. O trabalho, liderado pelo cosmólogo espanhol
Marcos Cruz, do Instituto de
Física de Cantábria, oferece explicação para a chamada "mancha fria", uma região do espaço
onde parece não existir nada.
Segundo o cientista, o que
acontece nessa grande área
-um buraco no céu com um bilhão de anos-luz de largura-
não é a inexistência de matéria
e energia, mas a distorção daquilo que vemos causada por
um defeito no espaço.
A mancha fria foi detectada
pelo satélite WMAP, lançado
em 2001, que mapeou com
grande precisão as microondas
que permeiam o espaço. Essa
energia, conhecida como radiação cósmica de fundo, é uma espécie de eco do Big Bang, a explosão que gerou o Universo,
pois se formou naquela época.
O problema de atribuir a essa
região a um vazio é que os cosmólogos acreditam que a matéria e a energia espalhadas pelo
Big Bang deveriam se distribuir
de maneira minimamente uniforme. Um vazio daquele tamanho não faz sentido.
Segundo Cruz e colaboradores do Laboratório Cavendish,
de Cambridge (Reino Unido), o
que aconteceu é que a radiação
que deveria ser detectada naquela área foi desviada em seu
trajeto por causa de "defeitos"
na constituição do espaço.
Segundo Cruz, o que causou
esses defeitos -estruturas semelhantes a bolhas de espaço
retorcido batizadas "texturas"- foi o resfriamento do
Universo com a passagem do
tempo após o Big Bang. A distribuição de matéria, que deveria
ser mais ou menos simétrica,
teria ficado comprometida, e
surgiram manchas.
É um fenômeno semelhante
às regiões opacas que aparecem
num cubo de gelo quando a
água se solidifica. Algumas teorias da física que tentam unificar todas as forças da natureza
em uma só prevêem a mesma
coisa, com a diferença que os
estados da matéria num ambiente como o Universo primordial tinham uma quantidade violenta de energia.
"Assim como o desalinhamento na estrutura cristalina
do gelo leva a defeitos, o desalinhamento na quebra de simetria das teorias unificadas leva à
formação de defeitos cósmicos", escrevem Cruz e colegas.
Passível de teste
Os autores do artigo, porém,
reconhecem que o trabalho na
"Science" -baseado em simulações de computador e imagens de telescópios- não é uma
prova definitiva da hipótese da
"textura". Contudo, eles oferecem previsões que podem ser
testadas por satélites no futuro.
"Se essa mancha for uma textura, ela vai permitir discriminar entre diferentes teorias que
foram propostas sobre como o
universo evoluiu", diz Cruz em
comunicado à imprensa.
Apesar de não ter certeza de
que a mancha fria é uma textura, já está praticamente descartada a hipótese de ela ter surgido por acaso. "A probabilidade
de isso ser apenas uma flutuação aleatória é de cerca de 1%",
diz Neil Turok, de Cambridge,
que participou do estudo.
O grupo de Cruz, porém, terá
um bom trabalho para convencer toda a comunidade de físicos de sua interpretação sobre
a mancha fria está correta.
"Sou um pouco cético em relação a essa explicação, pois os
modelos cosmológicos baseados neste tipo de defeitos levam a outros tipos de dificuldades que não são observadas",
disse à Folha Laerte Sodré, astrofísico da USP. "[Essa hipóteses leva] a um excesso de estruturas enormes de grande densidade ou baixa densidade."
O estudo de Cruz bate de
frente com resultados obtidos
por outro cosmólogo atuante,
Lawrence Rudnick. Em agosto,
ele apresentou evidências de
que a mancha fria seria mesmo
um grande vazio. Para Sodré,
porém, inconsistências atuais
não decretam a morte da teoria
das texturas. "É possível que
mudanças na teoria superem
esses problemas, de modo que
precisamos manter o espírito
aberto."
(RAFAEL GARCIA)
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