São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

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Beleza madura

Estudo mostra que chimpanzés preferem as fêmeas mais velhas como parceiras sexuais

Hugo van Lawick/Reprodução
Em foto tirada na reserva de Gombe nos anos 1960, a velha Flo, observada por Jane Goodall, aparece com seus filhotes


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Esqueça as ninfetas de lábios carnudos e pele macia. A parceira sexual ideal tem rugas, seios caídos, é meio careca e está no fim da vida. Isso, claro, se você for um chimpanzé.
Um grupo de primatólogos dos EUA demonstrou pela primeira vez que os machos dessa espécie, a mais próxima da humana, têm preferência pelas fêmeas mais velhas. Se puder escolher entre várias fêmeas no cio, um chimpanzé (Pan troglodytes) tenderá a desprezar as jovens que nunca deram à luz em favor de "coroas" que já foram testadas e aprovadas como mães. Mais ainda: quanto mais velha a macaca, mais "sex appeal" ela parece ganhar.
O fenômeno já havia deixado alguns cientistas intrigados desde a década de 1960, quando a inglesa Jane Goodall fez as primeiras observações de sociedades de chimpanzés na natureza. Goodall notara que Flo, fêmea do grupo que estudava em Gombe, Tanzânia, era disputadíssima pelos machos, mesmo sendo muito velha e -pelo padrão humano- feia.
"O "sex appeal", esse estranho mistério, é um fenômeno tão inexplicável quanto óbvio entre humanos e chimpanzés. Flo, de nariz bulboso e orelhas rasgadas, incrivelmente feia pelos padrões humanos, sem dúvida tinha muito mais do que sua cota", escreveu Goodall.
Foi preciso que um ex-aluno de Goodall, o também inglês Richard Wrangham, hoje na Universidade Harvard, passasse vários anos observando chimpanzés em uma outra área (Kibale, em Uganda) para constatar que Flo estava longe de ser um caso isolado.
Em um estudo publicado nesta semana na revista "Current Biology", Wrangham e seus colegas Martin Muller e Melissa Thompson reuniram oito anos de dados de observações sobre encontros sexuais e agressão entre chimpanzés na natureza para estabelecer a preferência dos machos pelas balzaquianas.
"Esta é a primeira vez que isso é mostrado, o que dá uma dimensão da dificuldade em determinar preferências por meio de dados de comportamento", disse à Folha Muller, antropólogo da Universidade de Boston (Estados Unidos) que liderou a pesquisa.
Ele explica que é enganoso, por exemplo, concluir que a fêmea que tem mais parceiros é a mais sexy do bando. "Muitos machos podem copular com fêmeas que não são atraentes porque não há competição por elas", conta. Como os chimpanzés vivem em sociedades extremamente promíscuas, em que vários machos cruzam com várias fêmeas, o melhor indicador de beleza é o quanto uma fêmea no cio é disputada, em especial por machos dominantes no grupo. Daí a importância dos dados sobre agressão.
O estudo mostrou que fêmeas acima de 30 anos (tempo de vida médio de um chimpanzé) e com múltiplos partos eram mais atraentes que fêmeas jovens com múltiplos partos, que por sua vez eram ainda mais atraentes que as nulíparas (sem filhotes). O padrão é exatamente o oposto do observado entre humanos.

Sexo e poder
Os cientistas têm várias hipóteses para explicar o fato. A experiência acumulada por uma fêmea velha em partos e criação de filhotes pode ajudar a reduzir a mortalidade infantil, garantindo que o "investimento" genético dos machos na prole não se perderá.
É possível também que atingir idade avançada em pleno vigor reprodutivo (chimpanzés não têm menopausa) seja um sinal de que a fêmea tem bons genes. "Todas que estudamos ainda estão vivas e saudáveis, três anos depois dos últimos dados coletados", disse Muller.
Uma outra hipótese -a favorita do pesquisador, que ainda precisa ser confirmada- é que as fêmeas mais velhas sejam mais fecundas por terem status mais elevado no bando e melhor acesso a comida. Era o caso, por exemplo, de Flo.

Perversão humana
Se se pensar que os ancestrais dos humanos eram seres parecidos com chimpanzés, a conclusão é que a preferência por jovens como parceiras sexuais é uma perversão exclusiva do Homo sapiens, inventada recentemente na evolução.
Ela está provavelmente relacionada com o desenvolvimento demorado do bebê humano, que exige cuidados de ambos os pais (ao passo que o pai chimpanzé não dá a mínima para os filhotes) e leva à formação de casais monogâmicos.
"O investimento paterno direto pode favorecer homens que escolhem parceiras jovens porque mulheres jovens têm menos tendência a ter filhos de parceiros anteriores", escrevem os autores. Isso minimiza a contribuição de um homem para a criação de filhos que não são dele, ao mesmo tempo em que aumenta a chance de ter mais filhos com uma mesma mulher, já que humanas têm uma fase fértil definida.
"Concluímos que a seleção natural moldou as preferências dos machos de forma muito diferente em chimpanzés e humanos", afirmam Muller e seus colegas. "Os chimpanzés podem não achar a pele enrugada e os mamilos alongados de suas fêmeas tão atraentes quanto os homens acham os lábios cheios e a pele suave das mulheres jovens, mas eles claramente não reagem de forma negativa a esses sinais."


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