São Paulo, quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

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"Gene da inteligência" tem efeito fraco

Cientista identifica regiões conhecidas do DNA que mais afetam a habilidade de aprendizagem, mas influência é baixa

Estudo com irmãos gêmeos mostrou que os seis genes que mais contribuem para o poder cognitivo interferem em menos de 1% na mente

Magnus Macedo-03.jul.2005/Folha Imagem
Alunas de escola norte-coreana para crianças superdotadas assistem a aula de música


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o dom da inteligência é algo que uma criança recebe no DNA de seus pais, a ciência ainda está longe de mostrar como isso ocorre. Essa é a conclusão de um dos primeiros estudos de grande escala sobre o tema.
A pesquisa, liderada por Roberto Plomin, do Instituto de Psiquiatria de Londres, identificou os seis genes conhecidos cujas variações mais estão implicadas em inteligência. O efeito somado de todos eles, porém, explica menos de 1% da variação de pontuação de crianças avaliadas por um exame "geral" de cognição, diferente dos testes tradicionais de QI. O trabalho sai na revista "Genes, Brain and Behaviour".
Plomin acompanha há mais de dez anos o desenvolvimento de 15 mil pares de crianças gêmeas -um terço delas participou da última pesquisa. Em entrevista à Folha, ele fala sobre as implicações do estudo.

FOLHA - Qual é o significado dos seus resultados? O fato de os seis genes mais significantes que o sr. encontrou serem responsáveis por menos de 1% de variação na inteligência significa que ela não é tão hereditária quanto se pensava?
ROBERT PLOMIN -
O significado de nossos resultados é que em uma varredura de escala genômica de meio milhão de marcadores de DNA nós fomos capazes de identificar alguns poucos genes que podem contribuir para a alta hereditariedade de inteligência. Contudo, os efeitos são pequenos -como são também para a maior parte das características médicas ou de comportamento. Isso não significa que a inteligência não seja hereditária. Significa que há mais genes responsáveis por essa hereditariedade e que eles têm [cada um] efeitos menores do que se assumia antes.

FOLHA - Com a genômica progredindo, o sr. acredita que será possível algum dia estimar o nível médio de inteligência de uma pessoa analisando apenas seus genes?
PLOMIN -
Não, porque a inteligência é apenas 50% hereditária. Então, mesmo que identificássemos todos os genes responsáveis pela hereditariedade seríamos capazes de explicar apenas metade da variação [de inteligência entre pessoas].

FOLHA - Esse foi o primeiro trabalho a analisar inteligência com os gêmeos que o sr. acompanha? O que mais o sr. planeja analisar?
PLOMIN -
Nós conduzimos análises desses dados comparando gêmeos homozigóticos e heterozigóticos para medida de inteligência e sua ligação com habilidades de aprendizagem ou deficiências. Também conduzimos outros estudos de DNA sobre inteligência para essa amostra, mas esse trabalho recente é o primeiro estudo de associação em escala genômica.

FOLHA - O que exatamente é o conceito de "habilidade cognitiva geral" que seu grupo usa? Como ele difere de um teste de QI padrão?
PLOMIN -
"Habilidade cognitiva geral" -ou "g"-, é como [o psicólogo] Charles Spearman definiu inteligência há mais de cem anos. O "g" se refere àquilo que habilidades cognitivas diversas têm em comum. Cerca de 40% das variações desses testes é co-variância [ocorre paralelamente entre indivíduos]. Spearman a batizou de "g" para ser preciso, porque a palavra inteligência significa muitas coisas diferentes para pessoas diferentes.

FOLHA - Alguns psicólogos dizem que inteligência é difícil de estudar porque ela é difícil de se definir para produzir um teste. Isso é um "gargalo" de seu campo de pesquisa?
PLOMIN -
Não. O "g" é um dos conceitos mais robustos das ciências comportamentais.

FOLHA - Quais questões éticas tendem a surgir de sua área? Estudos sobre componentes genéticos e ambientais da inteligência devem afetar políticas educacionais?
PLOMIN -
Qualquer pesquisa importante levanta questões éticas. Discuti algumas delas em um artigo na [revista] "Nature". Sobre a segunda questão, sim, acredito que a política educacional precise levar em conta isso: o fato de que a diferença que as crianças têm entre si na habilidade de aprender se deve substancialmente a diferenças genéticas. Contudo, as implicações para isso na política educacional não são diretas, porque decisões políticas dependem dos valores das pessoas.

FOLHA - Sua pesquisa diz algo sobre a polêmica racial nas pesquisas com inteligência? Seu último estudo pode ser interpretado como evidência de que a raça de uma pessoa pouco diz sobre sua inteligência?
PLOMIN -
As associações de DNA e hereditariedade no trabalho se referem a diferenças individuais dentro de uma população. Elas podem não ter nada a ver com as diferenças de médias entre populações.


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