São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 2002

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ASTROFÍSICA

Dupla propõe nova explicação para morte de estrela gigante, contrariando uma idéia consagrada da física

Estudo nega existência de buraco negro

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Buracos negros não existem." A frase parece forte demais, mas é o que dois cientistas dos Estados Unidos estão dizendo, ao propor uma explicação alternativa para o que acontece no fim do ciclo de vida de grandes estrelas.
A idéia de que os buracos negros -corpos tão densos que sugam tudo o que está à sua volta, inclusive a luz- eram absurdos demais para serem reais foi fortemente refutada durante o último século. E agora que os físicos estão convencidos de que eles existem, Pawel Mazur e Emil Mottola querem trazer essa noção de volta.
Além dos velhos argumentos contra os efeitos bizarros que a existência desses glutões siderais acarretaria, a dupla traz na bagagem uma teoria alternativa.
Segundo Mazur, da Universidade da Carolina do Sul, e seu colega, do Laboratório Nacional de Los Alamos, ambos nos EUA, os buracos negros dariam lugar aos astros que eles chamam de "gravastars" (a junção de gravidade com "star", ou estrela).
"Por fora, eles apresentam as mesmas características dos buracos negros, mas por dentro são essencialmente diferentes", contou Mazur à Folha. A diferença é que as maluquices que incomodam os astrofísicos há décadas desaparecem com esse novo modelo.
O modelo tradicional de buraco negro seria o estágio final de vida de uma estrela maciça. Depois que ela termina de queimar todo o seu combustível, ela explode, no fenômeno conhecido como supernova. O que sobra da estrela morta começa a encolher violentamente, pela ação da gravidade.
Esse encolhimento segue até que toda a massa esteja concentrada em um ponto, que apresenta densidade e energia infinitas, gerando um literal buraco no espaço e no tempo. Nada que cai nele pode retornar ao mundo visível, nem a luz -daí o nome.

Problemas teóricos
A natureza desses objetos foi prevista por uma das possíveis soluções das equações da teoria da relatividade, de Albert Einstein.
Mas há diversos problemas teóricos que emergem dessa solução. Um deles é que ela implica que a entropia, ou seja, o grau de organização e liberdade de ação que os componentes da matéria e da energia possuem -que pelas leis da física deveria diminuir após a explosão da supernova- sobe para um valor estratosférico.
"Em um buraco negro, a entropia sobe 20 ordens de grandeza, saltando de 1057 [o número um seguido de 57 zeros" para 1077, quando na verdade deveria diminuir", disse Mazur. "Já em uma gravastar, ela iria de 1057 para 1038, um número bem mais razoável."
A idéia da gravastar também é uma solução possível das equações de Einstein, uma bem próxima da que prevê um buraco negro. A diferença é que na mais antiga um importante fator, a constante de Planck (o número que determina quanta energia uma partícula pode carregar) era zero.
"Acontece que sabemos que a constante de Planck não pode ser zero. Por isso, na vida real os buracos negros não existem", afirmou Mazur, um polonês radicado nos Estados Unidos.

Diferenças e semelhanças
A gravastar produziria muitos dos sinais que hoje são interpretados como indícios de um buraco negro, como a grande emissão de radiação. A diferença é que ela não tem as mesmas características absurdas (veja o quadro à dir.)
Em seu lugar, haveria um objeto com uma superfície ultradensa, capaz de interagir com o resto do Universo. Quando partículas se chocassem com ele, emitiriam uma radiação especial. Segundo Mazur, ela poderia ser detectada.
"Os que se mostraram mais interessados pelos nosso resultados foram os astrofísicos observacionais", afirma. "Em duas semanas vou estar com um pessoal do ESO [Observatório Europeu do Sul", dando palestras sobre o assunto. Eles estão querendo ver se é possível detectar essa "assinatura"."
No interior da casca ultradensa, a matéria mudaria de estado, se convertendo no que os cientistas conhecem como condensado Bose-Einstein -um estado da matéria tão organizado que todas as suas partículas se comportam como se fossem uma só.
O estudo de Mazur e de Mottola foi submetido à prestigiosa revista "Physical Review Letters" e está atualmente em revisão. Pode ser o começo de uma reviravolta na idéia que os físicos têm dos buracos negros. Ou, pelo menos, é no que a dupla acredita.



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