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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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ASTRONOMIA

Brilho máximo de corpo celeste na constelação do Unicórnio tem propriedades inexplicáveis por teoria atual

Hubble mostra eco de novo tipo de estrela

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A princípio, parecia que os astrônomos estavam enxergando chifre em cabeça de cavalo. Mas é verdade: uma estrela localizada na constelação do Unicórnio está desafiando todas as teorias de evolução estelar já concebidas.
"Isso é absolutamente correto, não há nada que explique o comportamento dessa estrela em nossos modelos", diz Sumner Starrfield, pesquisador da Universidade Estadual do Arizona, nos EUA, um dos autores da pesquisa.
Tudo começou em janeiro de 2002, quando o discreto objeto conhecido como V838 Monocerotis começou a sofrer uma intensificação violenta de seu brilho. No pico do processo, tornou-se 600 mil vezes mais brilhante que o Sol, e a estrela mais brilhante de toda a Via Láctea. "Essa estrela teve seus 15 minutos de fama", diz Anne Kinney, diretora do programa de astronomia e física da Nasa (agência espacial americana).
Quando isso aconteceu, a V838 chegou até a ser visível com o auxílio de um pequeno binóculo, apesar de sua distância respeitável da Terra -o valor exato ainda não foi precisado, mas ela está no mínimo a 19,5 mil anos-luz daqui (um ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros).
Hoje, só com um telescópio poderoso ela pode ser observada. E o grupo liderado por Bond -Howard Bond, do Space Telescope Science Institute, usou o melhor equipamento disponível: a nova câmera ACS do telescópio espacial Hubble. Pelo visto, valeu a pena. "As imagens nos deixaram de queixo caído", diz Starrfield.
O principal elemento da observação é um chamado "eco de luz" -raios luminosos que partiram no momento da explosão de brilho da estrela, mas chegaram atrasados aqui com relação aos demais, por terem ido em outra direção e então rebatidos por poeira em torno da estrela, fazendo um percurso total maior até a Terra.
A sequência de imagens (veja-as abaixo, à direita) revelou que o objeto, na verdade um sistema binário (composto por dois corpos), é incomum. A explosão de brilho lembra uma supernova -evento que ocorre no estágio final de vida de estrelas mais maciças ou quando uma dela reage violentamente após passar anos deglutindo a massa de sua estrela companheira-, mas nenhuma foi vista com essa configuração.
Pior, nenhum modelo consegue explicá-la a contento. "Eu trabalho justamente na modelagem computacional de estrelas", diz Starrfield. "Fiz várias tentativas, mas não vou falar delas, porque simplesmente deram errado. Não conseguimos até agora fazer uma estrela se comportar desse jeito no computador", afirmou.
"Pois é, V838 Monocerotis parece ser um exemplar único no zôo cósmico", diz Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. "Ela seria aparentada com as novas recorrentes. Entretanto, diferentemente delas, a estrelas "normal" do sistema seria uma azul, em vez de uma estrela fria de costume, e a companheira não parece ser uma anã branca." Mesmo sendo uma azul, ela poderia ter a aparência temporária de uma gigante vermelha -o que os americanos observaram- em razão das reações causadas pela súbita transformação da estrela, segundo Damineli.
"Estamos tendo dificuldade para entender a explosão, que não mostrou um comportamento previsto pelas teorias atuais de explosões de nova", diz Bond. "Ela pode representar uma rara combinação de propriedades estelares que nunca vimos antes."
Damineli acha que as respostas emergirão. "Essa estrela parece ser uma nova, mas com um comportamento exuberante, não encontrado antes", afirma. "Hoje ela parece um caso à parte, mas daqui a algum tempo pode ser que se descubra que ela é apenas um exemplar de uma classe inteira de objetos." Por enquanto, o mistério persiste.


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