São Paulo, sábado, 27 de março de 2010

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Degelo não afetou circulação do Atlântico

Estudo afirma que corrente do Golfo não enfraqueceu nas últimas duas décadas, apesar do derretimento visto no Ártico

Redução de corrente que leva calor à Europa é um dos impactos mais temidos da mudança do clima e inspirou filme-catástrofe em 2004


DA REDAÇÃO

No filme-catástrofe "O Dia Depois de Amanhã", de 2004, o aquecimento global provoca o desligamento da corrente oceânica que leva calor à Europa e causa uma era glacial. Nos últimos anos, alguns estudos sugeriram que esse cenário já poderia estar acontecendo. Mas um pesquisador americano afirma que o temor não tem fundamento: a chamada corrente do Golfo continua firme e forte.
Talvez até mesmo ligeiramente mais forte, afirma Josh Willis, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. Como o oceano Atlântico está mais quente, pelo menos nas últimas duas décadas o volume de água transportado aumentou.
A chamada circulação termo-halina do Atlântico, sistema do qual a corrente do Golfo faz parte, ajuda a distribuir o calor do planeta, funcionando como um colossal radiador.
A água quente, menos densa, viaja pela superfície do mar. Ao chegar ao Ártico, ela resfria e fica mais salgada. Como a água salgada é mais densa, a corrente afunda e muda de sentido, retornando ao Equador como uma corrente fria submarina.
Desde a década passada, alguns estudos sugerem que o degelo maciço do Ártico poderia lançar tanta água doce no oceano que acabaria com a diferença de salinidade, fazendo com que a corrente parasse de afundar. O cinturão de convecção seria desligado, resfriando a Europa em até 5C.
Há evidências fortes de que isso tenha acontecido há 12 mil anos, quando o fim da última glaciação despejou água das geleiras que cobriam a América do Norte e a Europa no mar.
Em 2005, uma série de medições feitas pelo grupo do oceanógrafo britânico Harry Bryden, da Universidade de Southampton, sugeriu que já havia um enfraquecimento de 30% na corrente.
O estudo, publicado no periódico "Nature", causou pânico. Mas o mesmo grupo, dois anos depois, publicou na mesma revista um outro trabalho mostrando que o enfraquecimento se devia à variabilidade natural da circulação.
Em seu relatório de 2007, o IPCC (o painel do clima da ONU) afirmou que grandes mudanças na circulação oceânica "não podem ser avaliadas" devido a incertezas.
No novo estudo, publicado ontem no periódico "Geophysical Research Letters", Willis desenvolveu um método para tentar reduzir essa incerteza.
Ele combinou medições de satélites com dados dos flutuadores robóticos Argos, um conjunto de boias automatizadas que mergulham até 2.000 m e sobem depois, medindo temperatura e salinidade ao longo da coluna d'água.
É a primeira vez que alguém usa essas duas fontes de dados para avaliar a convecção no Atlântico Norte. (As medições de Bryden foram feitas em navios.) É também a série de medições mais longa dessa circulação, indo de 1993 a 2009.
Willis descobriu que o volume de água que afunda no Atlântico Norte é de cerca de 15 sverdrups, com incerteza de 2,4 sverdrups para mais ou para menos. Um sverdrup equivale a 1 milhão de metros cúbicos por segundo, volume d'água despejado no oceano por todos os rios da Terra juntos. Esse volume varia de ano a ano, mas não existe nenhuma tendência significativa de enfraquecimento ou fortalecimento da circulação entre 2002 e 2009.
Olhando só os dados de satélite, porém, o estudo indica um fortalecimento de 2,6 sverdrups na circulação desde 1993. É um número desprezível, dada a margem de erro, mas consistente com o aquecimento do Atlântico nesse período (que aumenta o volume de água quente transportada).
A conclusão de Willis é: pelo menos por enquanto, não criemos pânico. O volume de gelo que derrete no Ártico ainda é insuficiente para afetar a circulação termo-halina. "Ninguém está prevendo outra era do gelo como resultado de mudanças na circulação do Atlântico", diz o cientista. (CLAUDIO ANGELO)


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