|
Próximo Texto | Índice
BIOTECNOLOGIA
Pesquisa visava imunizar contra tuberculose, mas experimento com roedores mostrou potencial anticâncer
USP testa vacina de DNA contra tumores
RUBENS ZAIDAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um nordestino que mora na capital e mais dois paulistas, todos
atendidos no Hospital das Clínicas da USP de São Paulo, foram os
primeiros a participar dos testes
clínicos, com três doses, da única
vacina gênica para tratamento de
câncer desenvolvida no Brasil.
Em 15 dias, dois outros pacientes
-de um total de 18 com tumores
de cabeça e pescoço- receberão
a terceira dose da vacina.
A vacina foi originalmente concebida para imunizar contra a tuberculose. Ela usa DNA (a molécula que guarda a informação hereditária nas células) e foi elaborada pelo bioquímico Célio Lopes
da Silva, 51, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
O produto mostrou eficácia na
prevenção e no tratamento de tuberculose e câncer em animais de
laboratório. O imunologista disse
que os primeiros resultados sobre
a eficácia em seres humanos devem ser conhecidos daqui a seis
meses. Os resultados finais podem demorar mais de três anos.
Na primeira fase dos testes serão examinados mais de 270 parâmetros de toxicidade, de acordo
com as normas da FDA (agência
de alimentos e fármacos dos
EUA). A preocupação inicial é saber se a vacina tem efeitos colaterais. A eficácia contra tumores será avaliada na fase seguinte.
"Se der resultados, queremos
validar essa vacina para o mundo
todo", diz Silva.
Na realidade, trata-se de um ensaio híbrido, com componentes
das chamadas fase 1 (toxicidade) e
fase 2 (eficácia). Na primeira fase,
os pacientes são acompanhados
com exames de tomografia, a cada três meses. "Se constatarmos
desde já que os tumores diminuem de tamanho, temos o resultado antecipado do que nos
aguarda na fase 2. Seria quase como fazer duas fases em uma."
Conselho de ética
Os testes com seres humanos foram aprovados há quase dois
anos pelo Conselho Nacional de
Ética em Pesquisa (Conep), mas
antes foi preciso montar uma pequena indústria farmacêutica, para obtenção da vacina em escala
industrial, na USP de Ribeirão
Preto. No HC de São Paulo, foi
preciso criar uma equipe especial
de pesquisadores e investir em
instalações adequadas.
Os testes clínicos no HC de São
Paulo estão sendo coordenados
por Kald Ali Abdallah, da Divisão
de Alergia e Imunologia Clínica, e
por Pedro Michaluart, da Divisão
de Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Os pacientes que concordaram
em participar têm tumores localmente agressivos na região da cabeça e do pescoço e já foram tratados, sem sucesso, com cirurgia,
quimioterapia ou radioterapia.
Segundo Abdallah, 35, esses tumores atacam geralmente garganta, base da língua, faringe e laringe. "São pacientes que, na sua
maioria, fumaram muito."
A cada mês serão incorporados
aos testes mais dois pacientes.
"Todos têm câncer em estágio
avançado, perspectiva de mais de
três meses de vida, estão lúcidos,
conscientes, e a autorização teve
de ser dada pelo doente e pela família. Eles foram informados de
que não existe ainda nenhuma expectativa de cura em humanos e
de que podem ocorrer efeitos colaterais", diz Abdallah. "A vacina
funcionou no camundongo. Mas
isso não quer dizer muita coisa
para o ser humano. A resposta está nesse ensaio clínico."
A vacina desenvolvida inicialmente contra a tuberculose acabou sendo testada como terapia
contra o câncer em animais -e
funcionou. "É a mesma vacina da
tuberculose, só que com pequenas adaptações na hora de aplicar
contra o câncer. O importante é
que o sistema de defesa do organismo que combate a tuberculose
é o mesmo que combate um tumor", afirma Abdallah.
Células combatentes
O objetivo da vacina, segundo o
pesquisador, é acionar os linfócitos T CD8 e T CD4, tipos de célula
"combatente" do sistema imune
(de defesa). "Como o gene do bacilo da tuberculose tipicamente
desperta o linfócito T, existem várias estratégias de tratamento utilizando esse bacilo na indução de
resposta antitumoral."
A vacina atual contra a tuberculose (BCG) já é usada para tratar
câncer de bexiga em fase inicial. A
aplicação é direta na bexiga. "Para
tratar o câncer é preciso aplicar
diretamente no tumor, não de
forma intradérmica [sob a pele].
Como é um gene de agente infeccioso, o sistema imune interpreta
que aquela célula está infectada. É
uma maneira de driblar o sistema
imunológico."
A pesquisa da vacina contra a
tuberculose começou a ser feita
em 1990, quando Silva foi fazer
seu pós-doutorado em Londres.
Os primeiros resultados positivos
foram apresentados por ele em
Genebra, em 1994, numa reunião
da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 1992, no entanto, ele vem estudando a validade
da mesma vacina contra o câncer.
Próximo Texto: Panorâmica - Personalidade: Morre aos 84 o biólogo John Maynard Smith Índice
|