São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2007

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Ligação-fantasma entre átomos tem morte súbita

Fenômeno observado por físicos do Rio atrapalha busca por computador do futuro

Estudo, publicado na revista "Science", também pode ajudar a entender por que os efeitos quânticos não são observados no cotidiano

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Essencial para construir futuros computadores mais rápidos que os atuais, um tipo especial de ligação entre os átomos pode acabar de maneira abrupta, demonstraram sete pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Essa "morte súbita" pode atravancar o caminho ao chamado computador quântico, considerado o Santo Graal da computação. Em tese, essa máquina poderia processar o "zero" e o "um" de um bit de informação simultaneamente (os computadores atuais só podem trabalhar com um estado por vez). Isso graças às propriedades bizarras do mundo dos átomos e partículas subatômicas.
Mas, para ser construído, ele depende de uma ligação conhecida como "emaranhamento" quântico. Em estudo hoje no periódico "Science" (www.sciencemag.org), o grupo brasileiro mostra que tal ligação é mais frágil do que se imaginava.
O emaranhamento, que pode existir entre dois átomos ou partículas subatômicas, é tão diferente da experiência cotidiana que até os próprios físicos acham difícil visualizá-lo.
Ele é conhecido desde o tempo de Einstein -que o chamou de "ação fantasmagórica à distância"-, mas só foi verificado em laboratório na década de 1980. Foi descoberta, também, a possibilidade de usá-lo para acelerar o processamento de programas de computador.
"O emaranhamento entre dois corpos é, em muitos casos, uma medida da ignorância que temos sobre cada um deles", explica Luiz Davidovich, da UFRJ, co-autor do estudo.
Para ter uma idéia do fenômeno, imagine jogar cara ou coroa com duas "moedas quânticas", emaranhadas. Elas cairão sempre ambas no estado "cara", ou no estado "coroa", independentemente da distância física entre elas. Nada se sabe sobre o estado de cada uma delas. (Alguns pesquisadores já interpretaram essa situação como se o par de moedas estivesse nos estados cara-cara e coroa-coroa, ao mesmo tempo.)
Essa dubiedade é fundamental para manter o "bit" quântico, ou "qubit", também dúbio -e capaz de processar "zero" e "um" ao mesmo tempo.
Moedas de verdade, porém, nunca ficam emaranhadas, porque são grandes demais. Quanto maior o tamanho dos corpos, mais rápido desaparece o emaranhamento. Mesmo para átomos ou partículas de luz, o emaranhamento termina depois de algum tempo, pela inevitável influência dos outros corpos no ambiente a sua volta.

Luz entrelaçada
Davidovitch e seus colegas desenvolveram uma experiência para estudar como o ambiente destrói o emaranhamento, usando pares de partículas de luz, ou fótons.
No experimento, cada partícula de um par de fótons parcialmente emaranhados percorria um labirinto de espelhos e outros artefatos ópticos, até um detector que reconhece o estado de seu campo elétrico. Após o percurso, os pesquisadores verificaram como a interação com o labirinto influenciava o estado das partículas, "desemaranhando" os fótons.
Até o ano passado, a maioria dos físicos esperaria que o emaranhamento sumisse de maneira gradual, até desaparecer totalmente, quando a interação com o labirinto fosse máxima.
Em 2006, entretanto, estudos teóricos previram que, em alguns casos, o emaranhamento poderia sumir de repente, antes de a interação máxima ser alcançada. Foi exatamente essa "morte súbita" o que a equipe da UFRJ observou. Por que ela acontece, no entanto, ainda não está claro.

Quantum cotidiano
Se por um lado o estudo aparentemente fecha uma porta para a computação quântica, por outro ele pode ajudar a entender por que não experimentamos no dia-a-dia os fenômenos quânticos (por exemplo, pessoas não podem estar ao mesmo tempo em dois lugares, como os fótons aparentemente podem). "É uma área fascinante", diz Davidovich.


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