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Macacos podem ter consciência da morte
Observações em cativeiro mostram cuidados com o moribundo, "velório" e aparente período de luto entre chimpanzés
Para cientistas, capacidade
de empatia da espécie está
por trás do fenômeno; ainda
é preciso estudar melhor
tais casos, diz pesquisadora
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Rosie passou a noite em claro, sem arredar pé de onde estava o cadáver da mãe. Seus
amigos Chippy e Blossom dormiram um sono inquieto naquela madrugada. Ficaram silenciosos na semana seguinte,
comendo pouco, sem tocar nos
pertences da morta. Para os
cientistas que registraram tais
cenas, são indícios de que os
chimpanzés, tal como os humanos, entendem o que é morrer.
Até agora, a espécie humana
parecia ser a única dotada do
"privilégio" dúbio da consciência sobre a morte. James Anderson e seus colegas da Universidade de Stirling (Reino
Unido) lançam dúvida sobre
essa ideia ao relatar detalhadamente suas observações sobre
a morte de Pansy, fêmea de
mais de 50 anos, na edição de
hoje da revista científica "Current Biology". Para eles, a consciência que os parentes mais
próximos do homem têm de
seu fim foi "subestimada".
Pansy vivia com sua filha Rosie, outra fêmea idosa, Blossom, e o filho desta última,
Chippy, num parque zoológico.
Foi tratada pelos veterinários
do local por vários dias, até que
o tratador, ao perceber que ela
estava respirando com dificuldade, decidiu permitir que ela
morresse "em família", sem intervenção humana. Os pesquisadores contavam com um sistema de câmeras, que permitiu
acompanhar cada movimento
do grupo durante as últimas
horas da vida de Pansy, bem como nas semanas seguintes (veja detalhes no quadro acima).
"O interessante é que eles tinham dados sobre como era o
comportamento normal dos
animais antes da morte, e isso
permitiu fazer a comparação",
aponta Patrícia Izar, especialista em comportamento de primatas do Instituto de Psicologia da USP, que comentou o estudo à pedido da Folha.
Os cientistas britânicos comparam a longa vigília de Rosie
ao lado do corpo com um velório; consideram que o ataque
de Chippy ao corpo da morta
pode ter sido motivado pela
raiva ligada à perda; e traçam
paralelos entre a falta de apetite e quietude do trio sobrevivente e o luto humano. Os
chimpanzés chegaram mesmo
a se recusar a dormir onde
Pansy havia expirado.
"Não questiono a alteração
de comportamento em relação
à morte. O sono alterado é natural, porque eles passaram por
uma emoção profunda. Mas é
ousado afirmar que isso é luto
pela morte", afirma Izar. Um
teste mais preciso da ideia, diz
ela, seria ver se a reação diante
da simples remoção de um
membro do grupo, sem que os
demais o vissem partir, seria
parecida. "De qualquer modo, o
conjunto das observações mostra o que já vemos em outros
comportamentos: que pode,
sim, haver uma continuidade
entre humanos e chimpanzés."
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