São Paulo, sábado, 27 de junho de 1998

Próximo Texto | Índice

LUTA ANTI-AIDS
Homossexual afirma que escapar da contaminação levou-o a participar de teste com droga que tem proteína do HIV
Eu tenho sorte, diz voluntário de vacina

ALESSANDRA BLANCO
de Nova York

O coordenador da clínica Philadelphia Fight, Petr Pronsati, e o médico Mark Watkins foram os primeiros norte-americanos a se submeterem ao único teste em grande escala com humanos com o que poderá vir a ser uma vacina contra a Aids.
Para realizar o teste, a Vaxgen Inc., que produz a "vacina" Aidsvax, selecionou 5.000 voluntários norte-americanos de um grupo bem específico: homossexuais sem um relacionamento sexual estável e mulheres que tenham parceiros sexuais HIV positivo, considerados parte da população de alto risco.
Pronsati e Watkins são homossexuais e veteranos na luta contra a Aids. O primeiro trabalha em uma clínica de ajuda a aidéticos. O segundo trabalha no tratamento de pacientes da doença.
Além da vacina que tomaram na terça-feira, na Filadélfia, Pensilvânia (EUA), Pronsati e Watkins deverão tomar mais seis doses nos próximos três anos.
Nenhum dos dois sabe se estará tomando a vacina com a proteína do HIV ou um placebo (substância inócua, usada em experimentos). De qualquer forma, não há nenhum risco em tomar a vacina, já que ela não leva o vírus.
A cada três meses, todos os 5.000 voluntários farão também exames de sangue para verificar a quantidade de anticorpos.
"Para essa população, não existe o sexo 100% seguro. Os pesquisadores sabem que 1,5% dessas pessoas iriam se tornar HIV positivo. Com os testes, poderão comparar resultados para saber se a vacina funciona", disse Watkins.
Ao todo, 25 vacinas têm sido testadas no mundo, mas nenhuma chegou à chamada Fase 3, a última para ser aprovada pela FDA (agência reguladora de medicamentos e alimentos dos EUA).
Leia a seguir trechos da entrevista que Pronsati concedeu à Folha, por telefone, de Filadélfia.

Folha - Por que você decidiu participar do teste com a vacina contra a Aids?
Petr Pronsati
- Eu tenho vivido em uma comunidade homossexual nos últimos 13 anos. Tenho muitos amigos soropositivos, muitos amigos que já morreram por causa da Aids. Considero-me uma pessoa de sorte por todos os meus testes até hoje terem dado negativo. Então, quando soube dos testes para a vacina, achei que precisava fazer alguma coisa para ajudar as outras pessoas.
Folha - Em algum momento você teve medo?
Pronsati
- Não, não há riscos, já que o material injetado não é o vírus vivo.
Folha - Mas você teve algum tipo de dúvida antes de se oferecer como voluntário?
Pronsati
- Várias pessoas vieram me perguntar o que eu achava disso, se elas deveriam fazer ou não. Eu nem pensei, me ofereci como voluntário na semana passada, já tomei a primeira injeção e estou me sentindo muito bem. Eu realmente não tinha nenhuma razão para não fazer isso. Principalmente porque trabalho em uma clínica de ajuda a doentes de Aids.
Folha - Há algum efeito colateral?
Pronsati
- Dor muscular e febre, mas eu não senti nada.
Folha - Que tipo de perguntas você teve de responder para ser aprovado para o teste?
Pronsati
- Primeiro, você tem de responder um questionário sobre sua vida sexual, com perguntas do tipo quantos parceiros teve nos últimos tempos e uso de preservativo. Monogâmicos foram excluídos, assim como usuários de drogas injetáveis. Depois, houve uma longa entrevista com um conselheiro, uma espécie de psicólogo, que me perguntou por que eu não adotava um comportamento monogâmico mesmo sabendo dos riscos que estava correndo.
Folha - Qual será o procedimento agora, após a primeira injeção?
Pronsati
- Não entendo muito desses testes. Mas, pela explicação que recebi, deverei fazer exames de sangue constantemente, e eles vão examinar o nível de anticorpos no meu sangue. Também tomarei mais seis injeções nos próximos três anos.
Folha - Você foi selecionado porque faz parte de um grupo considerado de alto risco. O que você pensa sobre isso?
Pronsati
- Não é uma resposta fácil. Eu tomo todos os tipos de cuidados, só faço sexo com preservativo, não uso drogas, já fiz vários testes, mas é verdade que sempre algo pode dar errado. Ninguém que faz sexo hoje, nem homossexual, nem heterossexual, está totalmente seguro. Talvez por isso tenha me decidido facilmente.



Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.