|
Próximo Texto | Índice
Teoria de cordas sairá logo da lona, diz Nobel de Física
David Gross, que está no Brasil, afirma que teoria controversa já pode ser testada
Observações cosmológicas
e experimentos em novo
acelerador de partículas
poderão provar elementos
do modelo, diz americano
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA
A controversa teoria de cordas, que tenta explicar os componentes fundamentais de tudo o que existe no Universo
mas que até agora não foi comprovada experimentalmente,
está para sair do papel. Quem
diz é David Gross, Prêmio Nobel de Física de 2004. Ele é um
dos cientistas que adotam essa
abordagem para resolver o
grande enigma da física atual:
encontrar uma teoria que englobe tanto o mundo microscópico explicado pela física quântica quanto o Universo descrito
pela relatividade de Einstein.
Para Gross, as cordas não são
mais um "castelo de cartas" de
especulações, como adversários costumavam defini-la. A
teoria já pode produzir hipóteses passíveis de teste em experimentos ou observações, algo
que qualquer teoria que se preze precisa fazer cedo ou tarde.
A ajuda às cordas, segundo
Gross, cairá literalmente do
céu, na forma de observações
do Cosmo. Elas poderiam detectar as chamadas cordas cósmicas, "fósseis" da origem do
Universo previstos matematicamente pela teoria.
Em entrevista à Folha em
Águas de Lindóia, onde participa do 27º Encontro Nacional
de Física de Partículas, ele resume o que espera da ciência
nos próximos anos.
Folha - A física está ficando cada
vez mais especulativa e carente de
evidências experimentais. Essa ciência vai entrar numa idade de trevas?
David Gross - Acredito que não,
mas não sei a resposta. Os tipos
de experimento que fazemos
hoje eram inimagináveis 30
anos atrás, mas houve desenvolvimentos formidáveis em
tecnologia, com novas idéias e
novos métodos para experimentadores. Ninguém achava
que teríamos o poder de computação que temos hoje, por
exemplo. Sem ele, nenhum
desses experimentos poderia
ser realizado, assim como boa
parte da ciência moderna. É
muito difícil prever a tecnologia. Na verdade, é mais difícil do
que prever avanços em física
fundamental.
Folha - Alguns físicos têm manifestando impaciência com a demora da
teoria de cordas em fazer previsões
"testáveis". Como o sr. acha que ela
poderá trazer uma revolução?
Gross - Bom, apareceram mesmo alguns livros que não são
particularmente bons para nós.
Mas, na verdade, o ceticismo e a
oposição às cordas era muito
maior 20 anos atrás. E é preciso
mesmo ter ceticismo com qualquer tipo de especulação. Porém, não é totalmente verdade
que a teoria de cordas não faça
previsões que possam ser testadas. O que tentamos explicar é
que ela ainda não é uma teoria
completa, e não a entendemos
muito bem para fazer o tipo de
previsão que têm papel mais
importante em ciência: aquela
que você faz e, se ela não se demonstrar, significa que a teoria
está incorreta e a única saída é
mudar suas premissas ou jogar
sua teoria fora. Por outro lado, a
teoria de cordas rendeu vários
fenômenos e cenários que levaram a observações e experimentos que podem ser feitos
-e estão sendo. Há novos efeitos que podem ser descobertos
e podem ser muito sugestivos
para a teoria, mas eles não são
previsões quantitativas.
Folha - Quais são essas previsões?
Gross - Um exemplo é o de dimensões extra do espaço, que
prevêem fenômenos espetaculares. Pode ser que nunca sejam
vistos, mas vale à pena procurar por eles. Outro cenário previsto por teóricos de cordas são
as cordas cósmicas [leia o glossário abaixo].
Folha - Como se pode detectá-las?
Gross - Há dois modos. Um deles se baseia no fato de que elas
são muito finas, mas muito maciças: quando a luz passa perto
delas ela é defletida, como no
fenômeno de lente gravitacional previsto por Einstein. A outra forma seria por meio de radiação gravitacional. As cordas
se movem livremente e, quando elas se movimentam para
um lado e para o outro, podem
produzir estalos como um chicote, mas que geram ondas gravitacionais em vez de som.
Mas pode ser que não existam muitas cordas cósmicas,
por isso não podemos dizer que
elas têm necessariamente de
ser detectadas.
Folha - Na Wikipédia, o sr. é definido como físico "e" teórico de cordas.
As pessoas já não acreditam que
uma categoria engloba a outra?
Gross - Isso é uma bobagem. A
primeira parte da minha carreira eu passei fazendo física de
partículas e física nuclear. Depois, como muitos outros, comecei a trabalhar em cordas. É
tudo a mesma coisa.
Folha - O sr. tem se mostrado muito entusiasmado com a possibilidade de o LHC, o novo acelerador de
partículas europeu que será inaugurado no ano que vem, detectar a supersimetria [leia o glossário], um
dos componentes atuais da teoria
das cordas. Isso seria uma prova?
Gross - A detecção da supersimetria seria uma excelente notícia para a teoria das cordas,
porque ela foi descoberta dentro da teoria de cordas. Mas,
também nesse caso, não conhecemos muito bem a teoria a
ponto de saber se a supersimetria tem de ser detectada nos
níveis de energia alcançados
pelo LHC. Encontrá-la certamente nos daria novas pistas.
Folha - Há algo mais que o LHC possa fazer pelas cordas?
Gross - Há muitas possibilidades especulativas. As cordas
deixariam efeitos drásticos no
LHC, como a produção de pequenos buracos negros. Pode
ser que se produzam excitações
"cordais" observáveis, e aí de
fato começaríamos a ver as cordas. Mas, de novo, como a teoria não tem poder de dizer que
isso precisa necessariamente
ocorrer nesse nível de energia,
há toda uma gama de parâmetros e possibilidades.
Acredito que a chance de
acharmos a supersimetria é
muito boa, maior do que 50%.
Já a chance de achar esses buracos negros ou estados "cordais" talvez seja de um em milhão, mas não significa que não
devemos procurar.
Folha - Teorias novas envolvem
matemática cada vez mais sofisticada. O sr. acredita que a resposta final
sobre o que são matéria, energia,
tempo e espaço será mais fácil de
entender no futuro?
Gross - As pessoas não entendem as teorias hoje porque nós,
físicos, não as explicamos bem.
E não o fazemos bem porque é
tudo muito novo. Hoje nós entendemos a mecânica clássica
muito melhor do que Newton.
Ele tinha acabado de inventar
aquilo, afinal. E nós entendemos hoje a relatividade geral de
maneira muito mais fácil do
que Einstein. Em teoria de cordas a matemática é mesmo
muito difícil. Eu tive de aprendê-la muito tarde, mas meus
colegas mais jovens já a consideram mais fácil. Daqui a cem
anos, se ela estiver no ensino
médio, também vai parecer fácil. Se as novas idéias sobrevivem, elas se tornam mais fáceis
de entender para as gerações
futuras.
O repórter ficou hospedado em Águas de Lindóia
a convite do Instituto de Física Teórica da Unesp
Leia mais na internet (em inglês) www.superstringtheory.com
Próximo Texto: Glossário Índice
|