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Astrônomo vê mistério em fluxo de galáxias distantes
Parte da matéria do cosmo flui em direção a ponto específico no céu, diz estudo
Batizado de correnteza escura, fenômeno pode ter sua origem na influência exercida por uma entidade fora do Universo visível
IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um grupo de astrônomos
anunciou nesta semana a descoberta de uma tendência sutil,
quase imperceptível, de galáxias distantes a seguirem na direção de um ponto no céu. O fenômeno foi batizado de "correnteza escura", para combinar
com o nome dos outros dois
mistérios que mais tiram o sono dos cosmólogos: a matéria
escura e a energia escura.
A matéria escura é abundante no Universo, mas invisível.
Sabe-se que ela existe porque
sua massa influencia o movimento das galáxias. Acredita-se
que seja feita de partículas ainda não descobertas.
A energia escura, então, é
ainda mais misteriosa. Postulada para explicar a aceleração da
expansão do espaço cósmico,
não é feita de partículas, mas de
algo de natureza desconhecida.
A nova correnteza escura é
um sutil movimento de centenas de galáxias em direção a um
trecho no céu, entre as constelações Centauro e Vela. Segundo um dos autores da descoberta, Alexander Kashlinsky, da
Nasa (agência espacial dos
EUA), não há nada no Universo
visível que arraste galáxias assim. "A distribuição de matéria
não explica esse movimento."
Kashlinsky observou como
raios X emitidos pelo gás quente de 700 aglomerados de galáxias interferem na radiação de
microondas que permeia todo
o Universo. Essa radiação é a
principal evidência de que todo
o cosmo estava concentrado
em um ponto, que explodiu há
14 bilhões de anos, no Big Bang.
Analisando diferenças na
temperatura da radiação de
fundo ao redor de cada aglomerado de galáxias, Kashlinsky
deduziu o movimento deles.
Parte desse fluxo é devida à expansão acelerada do espaço.
Outra parte vem da interação
entre os aglomerados. Mas uma
outra parte, que foi descoberta
só agora por causa do grande
número de galáxias estudadas,
se deve à correnteza escura.
Inflação cósmica
O fenômeno é constante ao
longo de pelo menos 1 bilhão de
anos-luz de distância, que não
se explica pelo acaso. Um movimento que privilegie uma direção única em relação à radiação
cósmica de fundo vai contra
leis conhecidas da cosmologia.
Kashlinsky diz que a correnteza escura pode ser explicada
por uma teoria ainda em debate, chamada de inflação cósmica. Uma violenta expansão do
espaço, mais rápida que a velocidade da luz, teria ocorrido
frações de segundo após o Big
Bang. Isso explicaria, por
exemplo, por que o Universo
parece igual em todas as direções. A correnteza escura, então, seria o resquício da atração
gravitacional de algo que hoje
está além do Universo visível,
mas que interagiu com a matéria dele antes da inflação.
A explicação, porém, só funciona se for provado que a correnteza escura atua em todas as
galáxias do Universo, algo que
Kashlinsky especula em seu artigo, publicado na revista "Astrophysical Journal Letters".
"Se a correnteza não se estender para o resto do Universo,
então fica bem mais difícil de
explicar", disse o físico à Folha.
"Eles toparam com uma anomalia muito séria", diz o cosmólogo Raul Abramo, da USP.
Para ele, porém, não está claro
se a correnteza age em todo o
cosmo. "É como ver uma estrada sumir no horizonte e supor
que ela dá a volta na Terra."
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