São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Astrônomo vê mistério em fluxo de galáxias distantes

Parte da matéria do cosmo flui em direção a ponto específico no céu, diz estudo

Batizado de correnteza escura, fenômeno pode ter sua origem na influência exercida por uma entidade fora do Universo visível

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um grupo de astrônomos anunciou nesta semana a descoberta de uma tendência sutil, quase imperceptível, de galáxias distantes a seguirem na direção de um ponto no céu. O fenômeno foi batizado de "correnteza escura", para combinar com o nome dos outros dois mistérios que mais tiram o sono dos cosmólogos: a matéria escura e a energia escura.
A matéria escura é abundante no Universo, mas invisível. Sabe-se que ela existe porque sua massa influencia o movimento das galáxias. Acredita-se que seja feita de partículas ainda não descobertas.
A energia escura, então, é ainda mais misteriosa. Postulada para explicar a aceleração da expansão do espaço cósmico, não é feita de partículas, mas de algo de natureza desconhecida.
A nova correnteza escura é um sutil movimento de centenas de galáxias em direção a um trecho no céu, entre as constelações Centauro e Vela. Segundo um dos autores da descoberta, Alexander Kashlinsky, da Nasa (agência espacial dos EUA), não há nada no Universo visível que arraste galáxias assim. "A distribuição de matéria não explica esse movimento."
Kashlinsky observou como raios X emitidos pelo gás quente de 700 aglomerados de galáxias interferem na radiação de microondas que permeia todo o Universo. Essa radiação é a principal evidência de que todo o cosmo estava concentrado em um ponto, que explodiu há 14 bilhões de anos, no Big Bang.
Analisando diferenças na temperatura da radiação de fundo ao redor de cada aglomerado de galáxias, Kashlinsky deduziu o movimento deles. Parte desse fluxo é devida à expansão acelerada do espaço. Outra parte vem da interação entre os aglomerados. Mas uma outra parte, que foi descoberta só agora por causa do grande número de galáxias estudadas, se deve à correnteza escura.

Inflação cósmica
O fenômeno é constante ao longo de pelo menos 1 bilhão de anos-luz de distância, que não se explica pelo acaso. Um movimento que privilegie uma direção única em relação à radiação cósmica de fundo vai contra leis conhecidas da cosmologia.
Kashlinsky diz que a correnteza escura pode ser explicada por uma teoria ainda em debate, chamada de inflação cósmica. Uma violenta expansão do espaço, mais rápida que a velocidade da luz, teria ocorrido frações de segundo após o Big Bang. Isso explicaria, por exemplo, por que o Universo parece igual em todas as direções. A correnteza escura, então, seria o resquício da atração gravitacional de algo que hoje está além do Universo visível, mas que interagiu com a matéria dele antes da inflação.
A explicação, porém, só funciona se for provado que a correnteza escura atua em todas as galáxias do Universo, algo que Kashlinsky especula em seu artigo, publicado na revista "Astrophysical Journal Letters". "Se a correnteza não se estender para o resto do Universo, então fica bem mais difícil de explicar", disse o físico à Folha.
"Eles toparam com uma anomalia muito séria", diz o cosmólogo Raul Abramo, da USP. Para ele, porém, não está claro se a correnteza age em todo o cosmo. "É como ver uma estrada sumir no horizonte e supor que ela dá a volta na Terra."


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