São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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+Marcelo Leite

O criacionismo de Marina


Respostas de Silva não são aceitáveis vindas da ministra de um Estado laico


Não pretendia voltar ao tema da quase candidatura de Marina Silva à Presidência da República pelo PV. Persiste, porém, a questão sobre a defesa do ensino do criacionismo em todas as escolas que teria sido feita pela ex-ministra do Meio Ambiente. Defendeu ou não?
A própria Marina Silva nega, como fez no programa "Roda Viva" da última segunda-feira. "Eu nunca defendi o criacionismo", afirmou. Disse mais: "No Brasil não existe, pelo menos que eu conheça, ninguém fazendo esse movimento. Essa é uma transposição artificial de um debate que acontece nos Estados Unidos."
Marina Silva nunca escondeu -não é de seu feitio- ser fiel da Assembleia de Deus. Tem duas filhas adventistas. Aceitou convite, ainda ministra, para dar palestras no 3º Simpósio sobre Criacionismo e Mídia, promovido pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo, em janeiro de 2008.
Para um representante do Estado brasileiro, já seria imprudência tomar parte de evento com tema tão controverso, mas passe. Sua mera realização sugere estar vivo e ativo o movimento que ela nega existir. Além das palestras, Marina Silva também deu entrevista ao blog Éoqhá, feito por jovens adventistas, que transmitia o simpósio em vídeo.
Eis o endereço da entrevista: eoqha.net/criacionismo/111-entrevista-com-a-ministra-do-meio-ambiente-marina-silva. Nada melhor do que ouvir as próprias palavras da ex-petista para formar uma opinião sobre o caso.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que Marina Silva de fato não defendeu na entrevista o ensino do criacionismo, em pé de igualdade, com o ensino da evolução darwiniana. Não literalmente, nem em todas as escolas.
A questão que respondia era sobre o ensino de criacionismo em escolas adventistas, que também ensinariam a evolução, segundo o entrevistador. E, também, se "essa visão diferenciada e plural a respeito da origem da vida" e os "elementos científicos que também podem ser atribuídos ao criacionismo" implicariam demérito para tais estabelecimentos de educação.
"Ciência se faz pela multiplicidade dos olhares", respondeu a então ministra. "Se você coloca claramente para as pessoas que existe uma outra visão, a visão do evolucionismo, para que as pessoas tenham a liberdade de escolha, do caminho que querem seguir, não vejo nenhum demérito nisso. (...) Errado é se não fôssemos capazes de [dar] uma educação que seja plural, capaz de mostrar os diferentes pontos de vista."
Não é uma resposta aceitável, vinda de ministra de um Estado laico. Deveria fazer a distinção, fundamental, entre ensino de ciências e ensino de religião. E outras respostas na entrevista explicitam que Marina Silva não subscreve a separação entre ciência e religião consagrada como base da educação leiga e republicana.
"No espaço de fé, a ciência tem todo o acolhimento. Gostaria muito que no espaço científico existisse o acolhimento para a fé que a fé dá para a ciência", disse. Não há acolhimento possível da fé pela ciência, se por isso entende-se a admissão de que existam verdades além e acima das corroboradas com observações e medidas.
Marina Silva, por fim, confessa-se adepta do design inteligente, a suposta "teoria" importada dos EUA: "Eu acredito que Deus é o criador de todas as coisas e que esse Criador tem um projeto, que as coisas não acontecem por acaso, alhures, que existe um projeto inteligente, da inteligência divina que governa todas as coisas".
É a sua fé, e o seu direito, mas não pode ser a sua política.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br)
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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