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+ ciência
Comparada a Jodie Foster e uma das físicas mais citadas do mundo, a americana Lisa Randall lança livro
para explicar o que há de novo nas pesquisas sobre a natureza fundamental do Universo
Mulher de outras dimensões
Tracey Powell/Harvard University
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A americana Lisa Randall, 43, posa para fotografia na Universidade Harvard (EUA) |
FLÁVIO DE CARVALHO SERPA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ser comparada a Jodie Foster,
a bela artista de enormes
olhos azuis, deixa a física teórica Lisa Randall constrangida. "É engraçado", respondeu ela
meio secamente à Folha. Numa entrevista a Ira Flatow, premiado âncora da rádio pública americana NPR,
a pergunta emergiu de novo, como
sempre acontece. Mas, dessa vez, a
curiosidade em saber como se sente
uma mulher que pode ser tão bonita
como uma artista de Hollywood e
inteligente ao ponto de adicionar
mais dimensões às clássicas equações de Albert Einstein acabou virando um pequeno escândalo e terminando nas páginas do jornal "The
New York Times".
"Só aceitei
o uso de dimensões extra na física depois que muitos cientistas, inclusive eu, tentar am explicações alternativas. Explicar fenômenos espirituais com outras dimensões não tem respaldo científico"
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O blog de ciência "Cosmic Variance" acusou Flatow de estar passando
uma cantada ao vivo na cientista,
sem falar no conteúdo machista implícito do tipo "bonita e inteligente".
Randall disse à Folha, por e-mail
-nos intervalos entre as viagens de
promoção e conferências sobre seu
recém-lançado livro "Warped Passages" ("Passagens Torcidas", sem
tradução no Brasil)-, que nem tem
tanta certeza se se parece com Foster, a não ser pelo fato de a atriz ter
também fama de ser muito séria.
A curiosidade é justificável porque
a foto que adorna sua página acadêmica na Universidade Harvard, onde ela leciona física, feita há muitos
anos por um fotógrafo cult de New
York, Jack Lindholm, é realmente
hollywoodiana. Mesmo agora, aos
43 anos, solteira e sem filhos, Randall é uma figura que salta aos olhos,
embora isso a deixe constrangida.
Não tanto por posições feministas.
Ela é altamente competitiva, acredita no poder dos desafios e não quer
nenhum desconto por ser mulher.
Seu currículo dá inveja a qualquer
marmanjo barbudo da área de física
teórica. Além de ser a primeira mulher titular na cadeira de Física em
Harvard, a universidade mais conceituada do mundo, ela coleciona
primeiras titularidades femininas
em Princeton e no MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts). Foi a
física teórica mais citada do planeta
durante cinco anos, com mais de 10
mil citações.
A carreira de Randall começou na
famosa e de difícil acesso Stuyvesant
High School, em Nova York, onde
foi colega de classe do não menos famoso cientista das teorias de cordas
Brian Greene, autor de "O Universo
Elegante" e "O Tecido do Cosmo".
No começo deste ano ela foi de novo
para a ribalta, meio a contragosto,
quando o presidente de Harvard,
Lawrence Summers, cometeu a gafe
de declarar que são poucas as mulheres na ciência por causa de diferenças genéticas. Na polêmica que
estourou ele acabou tendo de admitir que falou demais e Randall foi indicada para trabalhar numa força-tarefa com o objetivo de monitorar a
participação científica feminina e
sugerir medidas reparadoras da situação. Leia a seguir a entrevista:
Folha - Como a sra. se sente quando
a comparam com a Jodie Foster?
Lisa Randall - É engraçado. Imagino que deva ser lisonjeiro, mas também é perturbador. Em toda a carreira você tenta afastar o fato de que
você tem uma aparência diferente e
apenas fazer seu trabalho. É muito
estranha a atenção que dão a isso. E
realmente não tenho certeza de que
me pareço com ela. Mas ela é uma
das atrizes com aparência mais séria
que conheço e muitas mulheres com
mentes científicas se parecem com
ela. É uma coisa gozada.
Folha - Quando ouvem falar de outras dimensões muitas pessoas logo
pensam em coisas como mundos paralelos, planos espirituais ou ficção
científica. Já lhe pediram explicações
sobre esses assuntos?
Randall - Muita gente pergunta sobre essas coisas. Perguntam-me
também sobre experiências de quase morte, explicações sobre a consciência e outros fenômenos que esperam entender com outras dimensões. Respondo que só falo sobre leis
físicas que entendemos. Especialmente quando se trata de assuntos
como os que estudo, que são meio
abstratos e podem soar como ficção
científica. É muito importante não
misturar fatos com ficção. Tomo
muito cuidado para não fazer isso.
Não sabemos ainda como o Universo é na realidade, mas conhecemos relações que podem ser deduzidas usando nossos conhecimentos
da gravidade. Se fizermos determinadas suposições, algumas dessas
suposições podem até ser testadas
com experiências.
Isso não pode ser feito quando se
especula sobre planos espirituais ou
em muitas das idéias de ficção científica. Só aceitei o uso de dimensões
extra na física depois que muitos
cientistas, inclusive eu, tentaram explicações alternativas. Explicar fenômenos espirituais com outras dimensões não tem respaldo científico. Não é o que me interessa, uma
vez que não acho isso um caminho
para avançar o conhecimento e porque isso é completamente diferente
do que entendemos com a física.
Folha - O público leigo se surpreende também quando a sra. fala que a
gravidade é uma força muito fraca?
Afinal o senso comum diz que um bom
tombo pode ser fatal.
Randall - A idéia de que a força da
gravidade é fraca está baseada em
expectativas baseadas na mecânica
quântica e na teoria da relatividade
especial. Baseado no poder das outras forcas, como a eletromagnética
ou as forças atômicas, era de se esperar que a gravidade fosse mais forte.
Afinal um pequeno ímã atrai um clipe de papel competindo com a força
gravitacional do planeta inteiro. É
um grande mistério porque as diferentes forças têm intensidades tão
diferentes.
Folha - O grande colisor de partículas do Cern (Conselho Europeu para a
Pesquisa Nuclear, localizado na Suíça)
denominado LHC, que começa a funcionar em 2007, pode comprovar partes da sua teoria envolvendo outras
dimensões. A sra. sugeriu algum tipo
de experiência específica?
Randall - Dou sugestões e depois
estudo e interpreto resultados. Realmente estou interessada em algumas "assinaturas" que podem aparecer nos experimentos. Se a teoria
com a qual explicamos a fraqueza da
gravidade for correta, vão aparecer
rastros de partículas chamadas Kaluza-Klein, que teoricamente viajam
em outras dimensões. Estudando
massa e propriedades dessas partículas vamos poder inferir a existência de outras dimensões. É por isso
que essas teorias são tão instigantes.
Se estiverem corretas, vamos saber
nos próximos cinco anos. O LHC
(Grande Colisor de Hádrons) do
Cern, um enorme acelerador de partículas que vai colidir prótons, terá
energia suficiente para criar partículas que viajam em outras dimensões,
se elas existirem. Medindo massas e
propriedades dessas partículas vamos poder aprender sobre outras dimensões.
Folha - Em "Warped Passages", a
sra. diz não saber por que um mundo
de três dimensões poderia ser tão especial a ponto de responder pela realidade observada. Mas depois publicou um artigo na revista "Physical Review Letters" sugerindo que as leis da
física podem ter uma preferência por
três e por sete dimensões. A sra. vê algum tipo de idéia darwiniana nisso?
Randall - É um tipo de conceito
darwiniano: a sobrevivência do mais
apto. Apesar de não haver nada nas
leis fundamentais da física que diga
que as três e sete dimensões são especiais, se você deixar um Universo
de dez dimensões (como o sugerido
pela teoria das cordas) evoluir, ao final você vai ver o domínio de objetos
de três e sete dimensões chamados
branas, nos quais provavelmente estamos. Eles sobrevivem porque diluem menos quando o Universo se
expande e quando as interações são
levadas em conta.
Folha - Será que o Super-Homem poderia vir ao nosso mundo trazendo
forças nativas de outras branas ou dimensões, desafiando a gravidade?
Randall - É possível. Isso não necessariamente desafiaria a gravidade,
mas talvez eles experimentassem
outras forças e a interação gravitacional diferentemente do que experimentamos.
Folha - Como a sra. se sentiu quando
Lawrence Summers, reitor da Universidade Harvard, disse que existiam
poucas mulheres cientistas devido a
diferenças inatas entre os sexos?
Randall - Suas afirmações estavam
baseadas em idéias não-comprovadas cientificamente. Felizmente as
pessoas sabem disso agora. Ele certamente agora sabe.
Folha - A sra. notou algum progresso na situação desde que passou a
participar da força-tarefa em Harvard
para tratar da pouca participação das
mulheres na ciência?
Randall - A administração tem agora um superintendente-assistente e
um reitor-assistente com a ocupação explícita de monitorar os assuntos de participação das mulheres.
Por enquanto é mais em nível de
corpo docente, mas existem sugestões para melhorar o ambiente para
estudantes também.
Folha - E para outras minorias, o que
acha que deve ser feito?
Randall - Só porque faço ciência e
sou mulher isso não me torna uma
especialista nesses assuntos. Eu faço
física. Sociólogos e outros profissionais estudam explicitamente essas
questões. Posso perceber situações
que não são ideais para mulheres e
minorias, mas não necessariamente
sei o que podemos fazer para mudar.
Certamente ter minorias mais ativas
na ciência vai melhorar as coisas. Essa é uma das muitas razões que me
levaram a escrever um livro. Ver
pessoas como eu fazendo um livro
certamente vai encorajar mais pessoas que não se ajustam aos estereótipos a entrar nesse campo. Acredito
que a universidade encarar a existência de preconceitos e iniqüidades
explícitas ou veladas já será um importante passo na direção certa. Deveriam existir orientações para ensinar ou lidar com estudantes direcionadas a pessoas que desavisadamente ignoram as minorias ou as tratam
diferentemente. E em qualquer nível
devem existir maneiras de lidar com
problemas se e quando eles ocorrerem. E queremos também ter certeza de que o sistema educacional tenha um nível de excelência de modo
que as pessoas não tenham de depender de redes e comunidades de
apoio para aprender coisas e serem
autoconfiantes.
Folha - O que a sra. pensa da função
do desafio intelectual no desenvolvimento? No seu tempo de colégio,
quando foi colega de classe de Brian
Greene, vocês se sentiam desafiados?
Eram considerados nerds?
Randall - Fomos para uma escola
"ímã". É uma escola pública, mas
que você tem de passar por testes para entrar. Portanto os alunos eram
mais inteligentes e valorizavam mais
a educação do que os das escolas típicas. Eu gostava muito porque a escola era em Manhattan (eu morava
no Queens). Tinha tanto tipo de gente a que as categorias mais comuns
não se aplicavam de modo geral.
E, sim, acho que se sentir desafiado
é muito importante. Se os alunos se
sentem entediados eles não vão ter
inspirações. Desafios movem as pessoas para a frente. E quase sempre
elas acham isso divertido.
Folha - A sra. escreveu "Warped Passages" para mostrar a um público
mais amplo que as mulheres também
podem fazer ciência. Já teve algum retorno dessa audiência?
Randall - Essa não foi a única razão
porque escrevi o livro. É um benefício colateral. Escrevi o livro para explicar o que está acontecendo no
campo da nossa pesquisa. Queria
tornar isso acessível ao público em
geral. Gostaria que o público em geral entendesse nossas motivações e
algumas conexões e gostaria também de desmistificar a ciência. Recebi um retorno muito positivo de homens e mulheres que leram o livro.
Pessoas ficaram entusiasmadas.
Apesar de eu ter pensado mais em
mulheres jovens que deveriam fazer
ciência, recebi muito retorno positivo de mulheres mais velhas, felizes
de saber que existem pessoas fazendo coisas como as que faço. Mesmo
que elas tenham feito escolhas diferentes, elas se sentem satisfeitas em
saber que existem mulheres fazendo
o trabalho que faço.
Folha - Por que a sra. não se sente à
vontade falando sobre "essas coisas
de mulher na ciência"?
Randall - Freqüentemente sou
questionada sobre esse assunto e em
geral eu respondo. Mas meu trabalho não é sobre mulheres na ciência.
Eu faço física. Quero ajudar a melhorar a situação, mas também penso
que a melhor forma de fazer isso é
me concentrar na ciência.
Folha - No caso de mulheres cientistas, a maternidade é o principal problema?
Randall - Não sei se tem uma coisa
que seja o principal problema para
todas as mulheres ou todas as pessoas. Com certeza é difícil conciliar a
carreira com a família com tantos
problemas de disponibilidade de
tempo que as duas coisas exigem.
Seria bom conseguir facilitar tanto
quanto fosse possível. Mas eu não sei
a resposta.
Folha - A sra. levou um tombo grave
quando escalava rochas e ficou meses
engessada. Não é uma cientista tradicional que fique confinada a uma sala
ou laboratório?
Randall - Gosto de atividades físicas. É uma pausa de bem-estar contra a rotina de ficar apenas sentada
numa sala. Mas estou sem tempo para tomar tombos de novo.
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