São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

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ANTROPOLOGIA

Humanos podem ter surgido de miscigenação; consumo teria forçado saída da África há 1,8 milhão de anos

DNA questiona berço único do homem

Gouram Tsibakhashvili/Associated Press
Foto de 2001 mostra crânio de H. erectus encontrado na Geórgia


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A noção de que o chamado homem moderno nasceu na África e saiu do continente há uns 80 mil anos e se expandiu rapidamente, até se firmar como a única versão da espécie, acaba de levar mais uma chacoalhada. Um grupo de pesquisadores norte-americanos diz agora que o genoma conta uma história bem diferente.
O estudo, publicado on-line pela revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, a "PNAS" (www.pnas.org), se concentrou nas "variantes ortográficas" do DNA conhecidas como SNPs (sigla em inglês para "polimorfismos de nucleotídeo único").
SNPs surgem quando ocorre mutação que troca uma única "letra" do código genético. Essa versão alterada do genoma é então transmitida às futuras gerações, criando uma espécie de marcador -um sinal de que diferentes grupos humanos tiveram em algum ponto a mesma ascendência, por possuírem hoje um mesmo SNP.
Fazendo estudos de "engenharia reversa" do genoma, os pesquisadores podem traçar um tipo de genealogia. O grupo de Henry Harpending, da Universidade de Utah, acabou de fazer isso, com base em 500 mil SNPs.
Comparando esses dados a modelos de evolução de populações, eles chegaram à conclusão de que deve ter ocorrido alguma miscigenação entre as populações saídas da África e as que habitavam os outros continentes antes disso.
Todos os cientistas parecem concordar que os primeiros hominídeos, ainda sob a égide do Homo erectus, saíram da África e ocuparam o mundo há 1,8 milhão de anos. Mas o que veio depois disso é fonte de acalorados debates.
Muitos acreditam que esses grupos evoluíram separadamente, até a separação do Homo sapiens, na África. Esses primeiros homens modernos teriam, numa segunda leva migratória iniciada há 80 mil anos, dizimado as outras populações ao redor do globo, tornando-se os únicos ancestrais da humanidade. É a hipótese da substituição de populações.
Contudo, há uma segunda versão. Segundo alguns cientistas, o Homo sapiens não seria fruto de uma evolução 100% africana, que se seguiu a massacres de neandertais e outros primos remotos. Em vez disso, esses velhos humanos da África teriam migrado e se misturado às populações locais, e a mescla de elementos africanos e não-africanos teria sido o berço do homem moderno. Essa é a hipótese do multirregionalismo.
A dúvida pareceu resolvida na década de 1990, quando estudos do DNA mitocondrial ofereceram apoio à hipótese da substituição (mitocôndrias são organelas celulares transmitidas pelos óvulos, ou seja, só pela mãe; seu DNA não se confunde com o dos cromossomos no núcleo das células).
"É errado pensar que as mitocôndrias contam toda a história", diz Harpending. "O DNA nuclear parece dizer algo diferente."
O modelo matemático que se encaixou melhor nos dados genéticos sugere que houve uma redução populacional forte por volta de 40 mil anos atrás na Europa e alguma miscigenação entre os residentes (os famosos neandertais) e os recém-chegados africanos. Mas o estudo está longe de confirmar que foi assim que aconteceu.
"Podemos dizer hoje que a completa substituição está fora de questão?"-pergunta Harpending. "Não ainda. Pode haver algum cenário de substituição que se encaixe. No momento, ninguém sabe o que realmente aconteceu."


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