São Paulo, domingo, 28 de fevereiro de 2010 |
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Marcelo Leite Revolução pelo Google
Qual a importância real da liberdade política para o desenvolvimento da pessoa, do espírito humano e do próprio capitalismo? Essa é a pergunta do século 21 e, se tiver resposta, ela virá da China. Em 12 de janeiro, a empresa Google ameaçou abandonar a potência oriental depois que seu serviço de buscas foi alvo de vários ataques de hackers. Seria uma intimidação disfarçada do governo chinês, interessado em manter controle total sobre a internet. Em resposta, a Google disse que queria negociar uma maneira de operar sem censura no país, ou sairia fora. Desde 2006, quando começou a funcionar ali, o Google tolerava a censura por meio de filtros que barravam pesquisas como "Tiananmen". Foi muito criticada, com justiça, mas pelo menos agora o gigante cyber criou coragem para enfrentar o gigante censor. A ditadura chinesa, maior aplicadora de penas de morte do planeta, conta com tolerância interessada no mundo todo -inclusive das democracias na Europa, nos EUA e no Brasil. Ninguém quer ficar fora daquele mercado fantástico. Já há 380 milhões de internautas na China (umas cinco vezes mais que no Brasil). Com tais atributos, existe até gente argumentando que a democracia talvez não seja tão essencial ao desenvolvimento do capital, como pensava até aqui a nossa vã filosofia iluminista. Em tempos de hiperderivação financeira, indisciplina fiscal congênita e bolhas incontroláveis de crédito, um pouco de autoritarismo teria suas vantagens profiláticas. A autocracia também é um anestesiante efetivo para controle social, ainda que sua eficácia diminua com o tempo. O corpo social, fortalecido pela circulação de ideias e meios, desenvolve intolerância contra ela. Incorporar centenas de milhões de camponeses ao milagre chinês não se faz da noite para o dia, sem margem para revolta. Nem remediar o desastre ambiental patente já antes de o país crescer a taxas de 10% ao ano. Para não falar de condições de trabalho análogas à escravidão... A censura ao Google e à internet, diante disso, parece fichinha. Talvez não seja. A China vive uma explosão de produção científica, fomentada por um governo consciente da relevância da pesquisa para o dinamismo da economia. O incentivo para publicar estudos é tamanho que as fraudes científicas estão se multiplicando. Como em qualquer outro lugar, o Google tornou-se na China uma ferramenta de primeira mão para buscar conhecimento. A fim de descobrir se isso também vale para pesquisadores chineses, jornalistas do periódico científico "Nature" fizeram um levantamento por e-mail sobre o mecanismo de busca e publicaram os seus resultados (www.go.nature.com/ FJ6QTm) na quinta-feira. A "Nature" obteve 784 respostas. Não é muito, numa comunidade de 1,5 milhão de pesquisadores. Ainda assim, trata-se de número respeitável para um levantamento jornalístico. A consulta revelou que 80% dos que responderam usam o Google (ou seus serviços especiais, como o Google Acadêmico ou Google Scholar) como primeiro recurso para localizar artigos científicos. Outros 60% o empregam para informar-se sobre descobertas e programas de pesquisa. Mais importante, 84% afirmaram que sua atividade científica seria "um tanto" ou "significativamente" prejudicada pela perda do Google. E 78% consideraram que haveria dano para as colaborações internacionais. "Pesquisar sem o Google seria como viver sem eletricidade", resumiu à "Nature" Xiong Zhenqin, da Universidade Agrícola de Nanquim. MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br Texto Anterior: Língua sem palavras Índice |
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