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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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VIROLOGIA

Estudo em computador analisa variações genéticas e pode ajudar a encontrar vacinas eficazes contra a doença

Modelo prediz evolução do vírus da gripe

DA REPORTAGEM LOCAL

Mestre dos disfarces, o vírus da gripe surge a cada ano com uma nova fisionomia, irreconhecível para as defesas do organismo. Essa metamorfose contínua permite que ele ataque sem sofrer resistência. Cientistas britânicos parecem ter descoberto uma forma de se antecipar ao ataque criando por computador um retrato falado da próxima máscara do vírus.
Com base em modelos matemáticos complexos em computador, a equipe de Neil Ferguson, da Faculdade de Medicina do Imperial College de Londres, conseguiu reproduzir o padrão de formação de novas linhagens do vírus da gripe, de forma bem similar ao que acontece na vida real.
Simulando um pedaço do genoma dos vírus que contém a receita para a hemoaglutinina, uma das moléculas que o organismo reconhece (ou não) para iniciar a batalha contra a gripe, eles observaram -no computador- o que ocorria com as linhagens ao longo do tempo e quais versões do gene prevaleciam sobre as outras.
Como resultado, obtiveram árvores genealógicas ("filogenias", no jargão dos cientistas) de várias estirpes do vírus. Perceberam que, se introduzissem algum fator que simulasse a reação imunológica humana a algumas das estirpes, obtinham gráficos muito parecidos com os que foram criados com base na evolução do vírus da gripe nos últimos anos.
Ou seja, conseguiram reproduzir em computador o padrão genético de evolução do vírus. "Esse estudo é singular não só por modelar a transmissão do vírus -o que já havia sido feito antes para várias doenças-, mas também a sua evolução genética de um modo muito detalhado, o que nos permitiu comparar os resultados de nosso modelo com dados genéticos reais", diz Ferguson.
O trabalho tem no momento maior utilidade como pesquisa básica, ajudando a entender qual é a sintonia fina existente nos processos que levam à evolução. Mas a possibilidade de levar a pesquisa ao âmbito prático e epidemiológico é bem real -afinal de contas, se for possível prever qual variedade do vírus vai atacar, o processo de vacinação pode ser muito refinado.
"Esperamos que esse trabalho ofereça benefícios para predição de linhagens nos próximos dois a três anos", diz Ferguson. "Já para desenvolver novas vacinas, isso estaria mais provavelmente na escala de dez anos ou mais."
É verdade que, salvo pneumonias misteriosas como a da Ásia, boa parte da população pode enfrentar uma gripe sem grandes traumas. Mas também se pode dizer que as mesmas características que fazem da gripe um vírus difícil de vacinar também beneficiam agentes mais letais, como o responsável pela Aids.
"O vírus da gripe é de RNA, o que quer dizer que muda rapidamente. Estamos de fato começando a aplicar os mesmos métodos para estudar a evolução do HIV e de outros vírus de RNA", conta Ferguson. "Entretanto, dado que a biologia do HIV é bem diferente da da gripe, o modelo precisa ser adaptado consideravelmente."
O trabalho de Ferguson foi publicado ontem na revista britânica "Nature" (www.nature.com).
(SALVADOR NOGUEIRA)


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