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VIROLOGIA
Estudo em computador analisa variações genéticas e pode ajudar a encontrar vacinas eficazes contra a doença
Modelo prediz evolução do vírus da gripe
DA REPORTAGEM LOCAL
Mestre dos disfarces, o vírus da
gripe surge a cada ano com uma
nova fisionomia, irreconhecível
para as defesas do organismo. Essa metamorfose contínua permite
que ele ataque sem sofrer resistência. Cientistas britânicos parecem ter descoberto uma forma de
se antecipar ao ataque criando
por computador um retrato falado da próxima máscara do vírus.
Com base em modelos matemáticos complexos em computador, a equipe de Neil Ferguson, da
Faculdade de Medicina do Imperial College de Londres, conseguiu reproduzir o padrão de formação de novas linhagens do vírus da gripe, de forma bem similar ao que acontece na vida real.
Simulando um pedaço do genoma dos vírus que contém a receita
para a hemoaglutinina, uma das
moléculas que o organismo reconhece (ou não) para iniciar a batalha contra a gripe, eles observaram -no computador- o que
ocorria com as linhagens ao longo
do tempo e quais versões do gene
prevaleciam sobre as outras.
Como resultado, obtiveram árvores genealógicas ("filogenias",
no jargão dos cientistas) de várias
estirpes do vírus. Perceberam
que, se introduzissem algum fator
que simulasse a reação imunológica humana a algumas das estirpes, obtinham gráficos muito parecidos com os que foram criados
com base na evolução do vírus da
gripe nos últimos anos.
Ou seja, conseguiram reproduzir em computador o padrão genético de evolução do vírus. "Esse
estudo é singular não só por modelar a transmissão do vírus -o
que já havia sido feito antes para
várias doenças-, mas também a
sua evolução genética de um modo muito detalhado, o que nos
permitiu comparar os resultados
de nosso modelo com dados genéticos reais", diz Ferguson.
O trabalho tem no momento
maior utilidade como pesquisa
básica, ajudando a entender qual
é a sintonia fina existente nos processos que levam à evolução. Mas
a possibilidade de levar a pesquisa
ao âmbito prático e epidemiológico é bem real -afinal de contas,
se for possível prever qual variedade do vírus vai atacar, o processo de vacinação pode ser muito
refinado.
"Esperamos que esse trabalho
ofereça benefícios para predição
de linhagens nos próximos dois a
três anos", diz Ferguson. "Já para
desenvolver novas vacinas, isso
estaria mais provavelmente na escala de dez anos ou mais."
É verdade que, salvo pneumonias misteriosas como a da Ásia, boa parte da população
pode enfrentar uma gripe sem
grandes traumas. Mas também se
pode dizer que as mesmas características que fazem da gripe um
vírus difícil de vacinar também
beneficiam agentes mais letais,
como o responsável pela Aids.
"O vírus da gripe é de RNA, o
que quer dizer que muda rapidamente. Estamos de fato começando a aplicar os mesmos métodos
para estudar a evolução do HIV e
de outros vírus de RNA", conta
Ferguson. "Entretanto, dado que
a biologia do HIV é bem diferente
da da gripe, o modelo precisa ser
adaptado consideravelmente."
O trabalho de Ferguson foi publicado ontem na revista britânica
"Nature" (www.nature.com).
(SALVADOR NOGUEIRA)
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