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Brasil constrói "espião atômico" até 2010
Detector portátil poderá descobrir a "impressão digital" de plutônio usado ilegalmente para fabricar armas nucleares
Dispositivo, que custará
R$ 1 milhão, poderia ser
usado em em qualquer país
e eliminaria necessidade
de inspeção dentro de usina
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
A física brasileira está se armando para ajudar no controle
do uso militar da energia nuclear. Nos próximos três anos, a
40 metros do reator da usina de
Angra 2, o Brasil verá entrar em
funcionamento o seu primeiro
detector de neutrinos, partículas elementares que podem revelar, como se fossem uma impressão digital, o que se passa
dentro de um reator atômico.
"O equipamento será instalado a 10 metros de profundidade, em um laboratório subterrâneo", afirma à Folha João
dos Anjos, pesquisador do
CBPF (Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas) e um dos
responsáveis pelo projeto.
A construção do novo detector, que será financiada pelo
governo federal via Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), vai custar R$ 1 milhão.
"Esse é um projeto que visa
colaborar com a criação de salvaguardas nucleares", explica
João dos Anjos.
Com o mundo cada vez mais
preocupado com o uso militar
da energia nuclear -e até com
a utilização pacífica dessa energia-, ter mais um método de
monitorar o que se passa nas
mais de 400 usinas nucleares
do mundo é essencial, segundo
o pesquisador do CBPF. A vantagem desse tipo de detector é
que ele pode, em tese, ser usado mesmo em países que fechem as portas de suas usinas
aos inspetores da AIEA.
"No caso do Brasil, que assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, essa
é uma sinalização clara para a
comunidade internacional."
Além da questão política -e
a AIEA (Agência Internacional
de Energia Atômica) está dando aval ao projeto brasileiro-,
o vigia nuclear nacional tem
muito a ver com o desenvolvimento científico. Afinal, a física
dos neutrinos é ainda bastante
nova e misteriosa.
"O detector é feito com um
cintilador líquido. Os neutrinos que saem do reator nuclear, por serem pouco reativos, atravessam tudo. Eles chegam ao equipamento, interagem com os prótons que já estão lá e, depois de outras reações, geram pulsos luminosos",
diz Dos Anjos. A energia dos espectros de luz, explica, é que
será analisada.
Por meio desses espectros é
possível saber então qual a
mistura de elementos combustíveis (plutônio ou urânio) que
está sendo "queimada" na fissão nuclear que ocorre ali, a algumas dezenas de metros.
"Isso é possível em teoria,
por enquanto, porque podemos comparar os espectros já
conhecidos, das misturas-padrão, com os que serão gerados.
Além disso, esse detector permite medir a potência térmica
real do reator e a taxa de neutrinos normalmente produzidos" (veja quadro acima).
No caso de Angra 2, cuja potência é de 1,4 gigawatts, a taxa
de produção de neutrinos pode
chegar a 1020 por segundo (o
número 1 seguido de 20 zeros).
Tanto pela mistura dos combustíveis quanto pelo monitoramento da potência, o uso de
um reator nuclear para fins
não-pacíficos, pelo menos em
tese ainda, poderá ser flagrado.
Como a única coisa que interessa na construção da bomba
é o plutônio, e ele se forma a
partir da fissão nuclear, o roubo desse elemento de dentro da
usina para o lugar onde se
constrói a arma vai acabar aparecendo nos espectros obtidos
no detector. Haverá menos
energia proveniente do plutônio nos dados científicos.
A retirada das barras enriquecidas com plutônio, na
maior parte das vezes, não pode ser feita sem o reator ser
desligado. Essa queda de potência também ficará facilmente estampada nos espectros do
"espião atômico".
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