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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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COMPORTAMENTO ANIMAL

Macaco brasileiro utiliza seus gritos para regular as relações sociais dentro e fora dos bandos

Rugido revela "diplomacia" entre bugios

Cleo Velleda/Folha Imagem - 27.mar.2001
Filhote de bugio recebe amamentação na Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Paulo


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há quem diga que seus rugidos ou roncos são sinal de que vem chuva, mas um pesquisador brasileiro acaba de atribuir um papel muito prático e elaborado aos sons emitidos pelos bugios: demarcar o território e evitar que grupos rivais acabem começando brigas desnecessárias.
Assim como outros primatas do país, esse macaco tem um extenso repertório de expressões vocais. Quem vem tentando desvendar como isso influencia os vários aspectos da vida do animal é o biólogo Dilmar de Oliveira, 35, da Furb (Universidade Regional de Blumenau), em Santa Catarina.
No final do ano passado, o pesquisador concluiu seu doutorado na USP e já emendou um projeto de pesquisa em Indaial, no interior catarinense. O objetivo é usar gravações das "vozes" dos próprios bichos para entender melhor o sistema de comunicação vocal dos bugios da espécie Alouatta guariba (há pelo menos seis espécies diferentes do macaco nas Américas do Sul e Central).

Repertório vocal
Contudo, as observações dos bichos sem esse recurso já ajudaram a revelar uma variedade de sons, ritmos e intensidades que mudam de acordo com o sexo e o contexto social (dentro do próprio bando ou fora dele) dos animais envolvidos, diz o biólogo.
Não que o pesquisador tivesse na cabeça o A. guariba (bugio ruivo) e seu parente A. belzebul (guariba-de-mãos-vermelhas), que ele também estuda, quando começou a trabalhar. "Digamos que eu queria ver o bicho em ação", brinca Oliveira. "Mas confesso que primatas me pareciam muito próximos do ser humano para serem interessantes. Sou biólogo, não antropólogo ou psicólogo", afirma o pesquisador.
Por ironia, o interesse do então aluno de biologia pelo comportamento animal o levou a procurar a orientação de César Ades, do Instituto de Psicologia da USP, que estuda primatas como o muriqui (Brachyteles arachnoides), dono de um rico repertório vocal. "Descobri que o meu preconceito era infundado", diz Oliveira.
No começo, os A. guariba entraram na mira porque estavam praticamente ali na esquina, no Parque Estadual da Cantareira, dentro da região metropolitana de São Paulo. A população era grande e já se acostumara com estranhos. "Mas eles se revelaram bem enigmáticos com o tempo. Muitos aspectos de seu comportamento parecem de difícil determinação", conta o biólogo.
Mesmo com todo esse mistério, os bugios parecem talhados para a comunicação vocal. Afinal, o osso hióide dos bichos -localizado na região da garganta onde está o pomo-de-adão humano- é avantajado, formando uma verdadeira caixa de ressonância.
Além disso, a dieta de folhas dos animais os obriga a gastar o mínimo possível de energia, evitando a agressão física sempre que possível. "Daí a importância das vocalizações como uma forma ritualizada de resolver disputas", afirma o pesquisador da Furb. É nelas que os bugios investem energia.
Logo de cara, caiu por terra a crendice de que o rugido do animal -de espantosa potência para um bicho de apenas 8 quilos- é sinal de que vai chover: no máximo, um ou outro macho desatava a rugir depois que começava uma chuva forte. O papel mais importante das vocalizações, diz Oliveira, é manter relações diplomáticas com membros de outro bando.
"No A. belzebul e em outras espécies, há um pico acentuado de emissões antes do nascer do sol, quando começam as atividades diárias dos grupos", afirma. Explica-se: como há grande superposição de território, a barulheira ajuda a manter bandos rivais numa posição que não atrapalhe os demais. O A. guariba, por outro lado, só gasta saliva quando realmente encontra alguém de outro grupo, passando então a rugir.

Coesão do grupo
Por outro lado, um tipo de chamado muito variável, os latidos, ajuda a manter a coesão dentro do bando. Em certos momentos, indica aos bichos que há algum predador por perto e que está na hora de se juntar como forma de proteção. Em outros, meramente indica o chamado "estado motivacional", as "emoções" do animal, para o resto do grupo.
Como todo bom primata, o bugio também sabe blefar. E, para Oliveira, a intensidade do rugido pode evitar uma briga porque dá pistas da força física de quem o emite, levando o alvo da represália a fazer uma retirada estratégica se perceber que não pode com ele.
O pesquisador, contudo, diz que comparar esses ruídos com a linguagem é ir longe demais. "Não acredito que as vocalizações dos bugios sejam um bom modelo para o estudo da linguagem. As pressões seletivas que as moldaram agiram mais no sentido de vencer distâncias e indicar o estado motivacional dos emissores", pondera o biólogo.
O trabalho de Oliveira conta com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).


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