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Calor faz 18% da Amazônia virar savana
Modelo do Inpe usa pela primeira vez dados de aquecimento global para mostrar os estragos ambientais naquela região
Área de cerrados sofrerá
uma expansão na região
Norte até 2099, crescendo
no lugar da floresta; estudo
usou os cenários do IPCC
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) já sabem o tamanho
do estrago que o aquecimento
global vai fazer na Amazônia
neste século. Pela primeira vez,
eles cruzaram dados de 15 modelos de computador usados
pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) com outros de vegetação e clima feitos no Brasil.
O veredicto: até 18% da área
que hoje é mata deve virar uma
vegetação rala, semelhante ao
cerrado. Com o clima mais seco, a savana tende a crescer.
"Pelo estudo, a floresta amazônica vai ganhar 30,4% de savana no período entre 2090 e
2099", disse à Folha Luís Salazar, pesquisador do Inpe. Ele
assina o estudo, a ser publicado
na revista "Geophysical Research Letters", ao lado de Carlos Nobre e Marcos Oyama.
Salazar explica que a aparente discrepância entre os dois
números se deve ao fato de que
as duas formações não têm o
mesmo tamanho; a área de mata é muito maior.
No período que vai de 2020 a
2029, a savana deve crescer
5,2% no norte do Brasil. Em
meados do século, de 2050 a
2059, esse crescimento será de
15,6%. O processo de "savanização" tende ser maior na porção leste da Amazônia.
IPCC
A projeção do Inpe foi feita
com base em dois cenários do
IPCC, que projetam o futuro do
planeta com base em dados estimados de população, consumo e uso de energia. Um deles,
o chamado A2 -o mais pessimista de todos- prevê um aumento de temperatura média
para o planeta entre 2C e 6C.
O outro cenário, o B1, é bem
mais otimista. Nele, com a temperatura subindo entre 1C e
4C, a savana deverá ocupar
uma área menor de floresta, de
13,9%, no período que vai de
2090 a 2099. Para os outros
dois intervalos de tempo analisados, respectivamente, o aumento será de 4,3% e de 8,7%.
"Além da temperatura em si,
a umidade do solo e os períodos
secos também são importantes
nesse processo de perda da floresta", explica Salazar, que veio
da Colômbia para o Inpe.
Desmatamento
Os estudos apresentados
agora não levam em conta a
ação direta do homem sobre a
floresta, que poderia ser medida pelo desmatamento.
"Indiretamente, o efeito antrópico está presente nas emissões de carbono que geram o
aumento de temperatura",
lembra Salazar.
A pesquisa mostra que as
áreas que serão ocupadas pela
savanas são as mesmas que hoje estão cobertas pela floresta
tropical. No período de 2090 a
2099, no caso do cenário em
que o aquecimento é maior,
18% da floresta some.
Entre 2020 e 2029, a queda
será de 3,1%, e, entre 2050 e
2059, a redução florestal será
de 9,3%, diz o estudo.
Pioneirismo
Este não é o primeiro estudo
a mostrar a tendência de savanização da Amazônia. O efeito
havia sido previsto em modelos
pela primeira vez em 2004, por
Oyama e Nobre. Foi sugerido
de forma independente por
Steven Wofsy e Lucy Hutyra,
da Universidade Harvard, e, antes disso, prenunciado por Daniel Nepstad e Paulo Moutinho
num estudo que simulava El
Niños numa pequena área de
mata no Pará.
Porém, enquanto as pesquisas anteriores consideravam a
tendência da vegetação a mudar devido a eventos climáticos
extremos ou ao desmatamento,
esta é a primeira a incorporar
os dados da mudança do clima
ao longo de um determinado
intervalo de tempo.
O mapa apresentado no estudo do Inpe faz saltar aos olhos
outra novidade, desta vez positiva para a floresta atlântica.
"Nosso trabalho mostra uma
tendência de crescimento da
mata atlântica mais ao sul do
Brasil. O clima tende a ficar
mais propício para a manutenção dela", explica Salazar. "Mas
nosso modelo não considera,
em absoluto, nenhum efeito
antrópico direto", diz.
Mesmo o clima sendo favorável para que a mata atlântica
cresça até mesmo dentro do
território uruguaio, a previsão
que saiu dos modelos do Inpe
poderá não se confirmar por
causa do outro lado da balança.
O desmatamento, processo que
reduziu o bioma para apenas
7% da sua formação original,
deverá impedir que as condições ótimas do clima prevaleçam neste século.
Outro estudo apresentado
em fevereiro, feito na Unicamp,
mostrou que o grau de desequilíbrio na floresta atlântica é tão
grande que o efeito estufa poderá reduzi-la ainda mais.
Os cálculos mostram que até
60% de todo o ecossistema pode desaparecer. A pesquisa
também levou em consideração dados do IPCC.
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