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São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 2003

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ECOLOGIA

Instalação na Bahia criará machos estéreis para controle biológico de principal praga da fruticultura no semi-árido

Fábrica produzirá mosca para agricultura

DA REDAÇÃO

A cidade de Juazeiro, na Bahia, deverá assistir em 2005 à inauguração de uma indústria cujo produto faria muita gente se arrepiar de nojo: milhões de moscas por semana. Os insetos serão usados no controle biológico de uma praga que rouba até R$ 80 milhões por ano da fruticultura brasileira.
A mosca-do-mediterrâneo, ou moscamed (Ceratitis capitata), é natural da África e foi introduzida no Brasil no século 19. Estima-se que cause no mundo todo um prejuízo de US$ 2 bilhões por ano.
Extremamente adaptada, ela põe seus ovos em frutos de 200 espécies de planta. "Essa é a mosca do bicho da goiaba", disse à Folha Aldo Malavasi, do Instituto de Biociências da USP.
Malavasi é o diretor da Moscamed Brasil, a primeira biofábrica nacional, sediada em Juazeiro e hoje em fase de instalação. Com investimento de R$ 5 milhões do governo da Bahia e R$ 17 milhões divididos entre a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e os ministérios da Agricultura e Integração Regional, a fábrica deverá produzir, a partir de abril de 2005, cerca de 200 milhões de machos estéreis da mosca por semana.
A idéia é "pulverizar" os pomares da região Nordeste -principal produtora de frutas tropicais do país- com os insetos estéreis, para que eles realizem o controle biológico da mosca.
"A idéia é fazer uma supressão populacional", diz Malavasi. Traduzindo: como erradicar a praga é muito difícil, o controle biológico tem como objetivo reduzir a população das moscas nos pomares a ponto de elas não causarem prejuízo econômico. Isso é possível graças às peculiaridades do comportamento sexual da praga.
"Diferentemente dos seres humanos, as moscas não aceitam cópula a qualquer momento", explica Malavasi, 52. As fêmeas possuem um compartimento no abdômen chamado espermateca, onde os espermatozóides do macho ficam estocados por até 15 dias depois da cópula. Enquanto ela não esvazia a espermateca, não faz sexo outra vez.
É aí que entram os machos estéreis. Quando em fase de larva, eles recebem uma dose de radiação que faz com que produzam espermatozóides inviáveis.
Soltos na natureza, eles passam a procurar as fêmeas e a encher suas espermatecas com os gametas inúteis. "Ela continua pondo ovos, mas ovos não-fertilizados", afirma o pesquisador da USP.
Se a quantidade de machos estéreis liberada for maior que a população de machos sadios -o que se acredita ser o caso no semi-árido brasileiro-, a população pode ser suprimida em aproximadamente 11 gerações.
A eficiência da técnica aumenta com o tempo: no começo, o declínio populacional é de apenas 5%, mas vai crescendo à medida que novos machos são introduzidos e menos ovos viáveis são postos. Segundo Malavasi, com liberações contínuas dos machos, é possível erradicar a praga de regiões isoladas em até um ano.
Cada milhão de moscas estéreis da fábrica custará R$ 170, 30% menos que os pesticidas convencionais, à base de organofosforados -que ainda por cima deixam resíduos. "É ambientalmente correto e socialmente justo, já que as moscas também voarão por pequenas propriedades em busca de fêmeas", diz o biólogo.
A Moscamed deverá, ainda, "fabricar" as lagartas Cydia pomonella, que vieram da Argentina e atacam as lavouras de maçã do Sul. O clima quente de Juazeiro impede que esses insetos escapem para o ambiente.


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