São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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+ Marcelo Leite

O alcance ruralista


Objeções ao estudo partem de ONGs ambientais e da própria Embrapa


N o Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, caderno especial da Folha trouxe reportagem deste colunista sobre um estudo controverso, "Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista". Dados da Embrapa Monitoramento por Satélite afirmavam que só 29% do território nacional estariam disponíveis para a agropecuária.
A reportagem chegou a conclusão diversa da que animava o trabalho realizado sob coordenação do chefe da unidade da Embrapa, Evaristo Eduardo de Miranda, encampado pela senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO) e pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB-PR). "Sobra terra para a agropecuária no Brasil", avisava o título. E, mesmo que fossem só 29%, já daria para triplicar a safra nacional de grãos.
O texto dizia ainda que o estudo havia sido questionado, até por sua "honestidade". Alguns ataques se dirigiam ao coordenador, e nem foram considerados. Outros contemplavam questões técnicas e de interpretação das normas ambientais, o que elevaria o percentual para 36% a 43%.
As objeções ao trabalho não partem só de ONGs ambientais, mas da própria Embrapa. Até na unidade localizada em Campinas há quem discorde da maneira como o trabalho foi conduzido, divulgado e utilizado pela bancada ruralista.
Um argumento é que o trabalho vem sofrendo seguidas modificações. Outro, que não passou pelo crivo de outros especialistas, como é praxe para estudos científicos. Depois de apresentado ao governo federal, ganhou destaque em audiência pública no Senado no dia 29 de abril e terminou publicado pela internet (www.alcance.cnpm.embrapa.br). Uma versão preliminar saíra em dezembro na revista "Agroanalysis", da FGV.
Miranda pondera que a publicação na internet funciona como uma consulta pública. À medida que surgem sugestões, críticas e discussões, os ajustes são feitos, diz. "O site não é uma publicação análoga a uma revista [científica]." Ele faz um paralelo com os dados de desmatamento na Amazônia produzidos periodicamente pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Estes tampouco são submetidos a periódicos científicos antes de publicados pela internet e anunciados pelo Ministério do Meio Ambiente. O questionamento interno ao estudo da Embrapa subiu de patamar há duas semanas com a retirada dos nomes de dois coautores, Daniel de Castro Victoria e Fabio Enrique Torresan. Segundo a coluna apurou, o motivo seria discordância com modificações feitas sem consulta a todos os autores do levantamento.
Miranda confirma a exclusão, mas afirma que os resultados obtidos pelos dois pesquisadores não sofreram alteração. Diz que a iniciativa teria menos a ver com o conteúdo do estudo do que com a sucessão na chefia da unidade da Embrapa.
Do ponto de vista do público, pouco importa. Relevante é saber se o estudo realmente para de pé, e isso compete a especialistas dirimir. Mas é saudável que "ruralistas" e "ambientalistas" ao menos considerem a possibilidade de abandonar seus feudos maniqueístas para enfrentar-se na arena dos dados verificáveis.
Nesse sentido, é positivo que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados tenha anunciado a encomenda ao Inpe de um estudo para contrapor ao da Embrapa. Quem sabe assim o país responsável por 74% de toda a superfície de áreas protegidas criadas no mundo depois de 2003 conseguirá concluir se exagerou mesmo na dose.


MARCELO LEITE é autor de "Folha Explica Darwin" (Publifolha, 2009) e do livro de ficção infanto-juvenil "Fogo Verde" (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas. Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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