São Paulo, terça-feira, 28 de julho de 2009

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Corante azul de comida trata lesão medular

Injetada 15 minutos após dano, substância semelhante à que tinge isotônicos fez ratos paraplégicos recuperarem movimento

Único efeito colateral foi deixar os animais azuis; composto evita morte de células por superexcitação no momento do trauma

Takahiro Takano
Um dos ratos usados no experimento, que teve a medula danificada pelos cientistas e recebeu logo após o dano 50 mg/kg de peso do corante; animal recuperou parte dos movimentos, mas ficou azulado

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um corante que dá cor azul a alimentos e bebidas ajudou uma equipe de pesquisadores a proteger células nervosas em ratos que tiveram dano na medula espinhal. Injetado 15 minutos depois da lesão, o corante BBG fez ratos paraplégicos recuperarem parte do movimento nas patas após alguns dias.
Como o único efeito secundário foi causar uma sutil e temporária cor azulada no animal, e o BBG deriva de um corante seguro, sem efeitos tóxicos, é possível que em alguns anos surja uma aplicação clínica em pessoas com danos agudos na medula.
BBG é a sigla em inglês para "azul brilhante G", um composto semelhante ao usado em grandes quantidades na indústria de alimentação, por exemplo, em bebidas isotônicas.
A administração de BBG reduziu o dano secundário nos neurônios causado pela inflamação do local do trauma. A substância azulada agiu contra o chamado "receptor da morte", a molécula P2X7.
Essa molécula ocasiona a morte das células nervosas ao torná-las extremamente excitadas. Os neurônios passam a disparar correntes elétricas alucinadamente, até morrerem de estresse metabólico.
A causa dessa atividade é consequência do trauma original. Quando ele ocorre, a substância que armazena energia no organismo, o trifosfato de adenosina (conhecido pela sigla ATP), inunda a região danificada da medula espinhal, ligando-se ao receptor P2X7.
O ATP é vital para o organismo, mas, em excesso na medula, ele causa inflamação e morte dos neurônios, provocando às vezes mais danos que o trauma inicial. Não existe tratamento para esse dano secundário.
O estudo foi liderado por Steven A. Goldman e Maiken Nedergaard, do Centro Médico da Universidade de Rochester, no Estado de Nova York.
Como foi possível a um corante de alimentos virar de repente uma droga regenerativa de neurônios?
"Muitos dos antagonistas do receptor P2X7 são azuis, como o azul brilhante ou o azul reativo. Como a cor azul de comida tem toxicidade baixa, imaginamos que seria um bom jeito de começar. É improvável que a droga tenha efeitos colaterais, já que tem sido ingerida em grandes quantidades por muitos anos", disse Nedergaard.
Mas mesmo que algum dia o BBG ou um derivado sejam usados clinicamente em casos de danos na medula, a pesquisa mostrou que a droga só tem efeito em casos recentes, pois sua função é anular os efeitos da "inundação" de ATP, que ocorre nas primeiras seis horas depois do trauma.
Esse papel do ATP foi revelado em 2004 por pesquisadores do mesmo laboratório. Já havia sido possível bloquear os efeitos do ATP no local, mas o processo envolvia injeções diretamente na medula -algo nem sempre recomendável ou possível em um paciente. O composto usado também é tóxico se injetado no sangue.
Já o corante azul da indústria de alimentos provou ser seguro -só os norte-americanos consomem por ano cerca de 500 toneladas do produto.
Os ratos tratados voltaram a andar, embora mancando. Já ratos de um grupo-controle que não receberam a droga não voltaram a se locomover.
Segundo Nedergaard e Goldman, mais testes em laboratório são necessários antes de começar a usar o BBG em testes clínicos em seres humanos. Se os resultados continuarem promissores, em alguns anos poderá ser padrão o tratamento com a droga de casos agudos de trauma na medula espinhal.
O estudo foi publicado hoje no periódico "PNAS".


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