São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

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Ibama perde fiscais para madeira ilegal

Levantamento do órgão em conjunto com a PF mostra que corrupção no setor público é a base do esquema de tráfico

Maior parte das denúncias que levaram os policiais a prender quadrilhas saiu de servidores do próprio Ibama que não se corromperam

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A corrupção do servidor público é peça fundamental nos esquemas de quadrilhas que vivem da exploração ilegal de madeira na Amazônia, revela o balanço das dez maiores operações de combate a crimes ambientais nos últimos três anos.
As ações, realizadas pela Polícia Federal em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), prenderam 272 pessoas, 92 das quais funcionários públicos.
Os donos da madeira, que têm lucro estimado em R$ 300 milhões por ano, atuam por meio de "laranjas", empresas fantasmas e contadores de fachada. Por conta disso, a Divisão de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente da PF mobiliza hoje 90% de sua estrutura para detectar os chamados delitos de suporte: crimes contra a administração pública, sobretudo a corrupção passiva de servidores.
Por mais paradoxal que seja, o envolvimento de funcionários ao mesmo tempo viabiliza o crime ambiental e permite à PF a descobrir as quadrilhas.
"Com o que está previsto na lei de crimes ambientais, não podemos usar, por exemplo, escutas telefônicas na investigação", diz o delegado Jorge Pontes, da PF. "As ferramentas disponíveis são muito mais eficientes quando o caso envolve crimes contra a administração pública, como a corrupção, e formação de quadrilha."
Por isso é mais fácil chegar a grandes quadrilhas do que a crimes praticados por grupos pequenos, como costuma ser o tráfico de animais silvestres.
O aliciamento de servidores do Ibama é vital para esses esquemas porque está em nas mãos deles o registro dos projetos para exploração da madeira amazônica, os chamados planos de manejo. Eles também centralizam a distribuição e fiscalização de ATPF (Autorização de Transporte de Produtos Florestais), documento necessário para atestar a legalidade da madeira ao ser transportada -e que está com os dias contados (leia texto à direita).
Servidores corrompidos podem superfaturar a quantidade de madeira de um projeto, criar planos de manejo fantasmas, desviar ATPFs ou sabotar a fiscalização das guias no Ibama.De acordo com o balanço feito pelo órgão, foram apreendidos 600 mil metros cúbicos de madeira nas últimas dez operações. É o suficiente para lotar 26.400 caminhões.
"Combater a corrupção é peça-chave para combater o desmatamento", diz o presidente do Ibama, Marcus Barros. A extração ilegal da madeira comercial não é a responsável em si pela devastação florestal. Mas são os madeireiros que abrem estradas na mata, facilitando a ocupação da agropecuária, que então derruba toda a vegetação para "limpar" o terreno.
Hoje, a soja ocupa 85% da área desmatada na Amazônia: 640 mil quilômetros quadrados, o que equivale a três Estados do tamanho de Sergipe.
Outro aspecto importante para investigações é a fonte das denúncias. Segundo a PF, os indicativos de irregularidades chegam, em sua maioria, por meio de servidores recém-contratados do Ibama, muitos ainda em estágio probatório. Nos dois últimos anos, o Ibama contratou 1.400 funcionários. Agora, são 6.400 servidores distribuídos em 435 unidades.
O salário, freqüentemente apontado como um item que acaba por favorecer a corrupção, passou por um aumento de 120%. Um servidor do Ibama em início de carreira agora ganha R$ 3.500. "Nossa análise é que se criou um ambiente favorável à moralização", afirma o presidente do órgão.


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