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São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2003

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Telescópio de ponta construído no Chile em parceria com americanos pode competir até com Hubble

Astronomia brasileira chega à 1ª divisão

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os astrônomos brasileiros devem, a partir do ano que vem, começar a disputar para valer o campeonato da primeira divisão de sua categoria. Essa é a analogia usada pelo astrônomo João Steiner para exemplificar o impacto que terá a inauguração do Telescópio Soar, instalado no Chile.
Construído em parceria por brasileiros, americanos e chilenos, o novo instrumento deve colocar à disposição dos pesquisadores recursos capazes de competir até mesmo com o Telescópio Espacial Hubble.
Os chilenos entraram com o terreno -uma área em Cerro Pachón, nos Andes chilenos, mesma região em que está instalado o Gemini Sul, que também tem participação brasileira.
Brasil e EUA entraram com o financiamento. O Brasil respondeu por 34% dos recursos investidos na construção do telescópio -US$ 12 milhões, sendo 10 milhões do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e 2 milhões da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A verba restante veio dos EUA. O governo americano colocou 33%. Os outros 33% vieram de duas universidades daquele país (Carolina do Norte e Michigan).
Isso faz do Brasil um sócio majoritário, o que parece ter pesado na escolha do presidente do comitê diretor do telescópio. João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, foi o escolhido. Ele também é um dos nove diretores nomeados para o comitê, que tem três brasileiros e seis americanos.

Rival do Hubble
O telescópio, com seu espelho primário de 4,2 metros de abertura, deve fazer em terra o que até outro dia só o Hubble conseguia fazer do espaço. Seus resultados devem rivalizar com as imagens feitas em órbita. "Em algumas áreas, vão ser ainda melhores [que os do Hubble]", diz Steiner.
Há duas grandes tecnologias que permitem esse sucesso. A primeira é a chamada óptica ativa, a construção de um sistema sob o espelho primário capaz de mantê-lo na forma parabolóide ideal para as observações.
A segunda é a óptica adaptativa. Trata-se de uma técnica que é capaz de corrigir a interferência nas imagens causada pela turbulência atmosférica. A atmosfera é o maior desafio imposto aos astrônomos que trabalham captando imagens em terra. Por essa razão os observatórios costumam ser instalados nas altitudes mais elevadas -a idéia é poder contar com um ar mais rarefeito e, portanto, menos capaz de produzir alterações nas características da luz que vem do espaço.
Quando o telescópio estiver em operação, os astrônomos brasileiros finalmente terão onde conduzir pesquisas de ponta. Hoje, o observatório do Laboratório Nacional de Astrofísica já não oferece mais as condições técnicas para mantê-los em pé de igualdade com os estrangeiros.
A participação brasileira no Gemini (um par de telescópios, instalados no Havaí e no Chile, para monitorar o céu dos dois hemisférios) foi um bom passo nessa direção, mas ainda era muito pouco. Com uma participação pequena (2,4%), o Brasil teria direito a apenas seis dias por ano de observações. "Isso não atende à demanda dos trabalhos de mestrado e doutorado sendo realizados no país", afirma Steiner.

Produção nacional
No Soar (sigla para Southern Astrophysical Research, ou Pesquisa Astrofísica do Sul), os chilenos ficaram com a menor fatia do tempo de uso: 10%. Dos dias restantes, o Brasil tem direito a 34% -o equivalente a 112 dias por ano, aproximadamente.
Com isso, a astronomia brasileira deve ampliar sua participação na produção científica mundial. Hoje, essa fatia gira em torno dos 2% (é uma das áreas em que o Brasil vai bem, comparável a física e ciências agrárias).
"É como eu costumo dizer: nós sempre tivemos um bom time, mas antes estávamos jogando na segunda divisão", diz Steiner. "A partir de 17 de abril, com a inauguração do Soar, vamos saltar para a primeira divisão da astronomia mundial."
O escritório do Soar já está recebendo os primeiros pedidos de alocação de tempo no telescópio. O prazo para enviar uma proposta se encerra em 15 de novembro.


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