São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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PERISCÓPIO

Glicose e envelhecimento

JOSÉ REIS
especial para a Folha

A. Cerami e colaboradores sugerem que as combinações não enzimáticas da glicose com as proteínas podem contribuir para o declínio que o envelhecimento acarreta ao funcionamento das células e dos tecidos.
Essas combinações também causariam vários processos patológicos, como muitos dos que ocorrem no diabetes. Aliás, essa doença pode ser encarada como uma espécie de modelo do que acontece no envelhecimento.
As reações não-enzimáticas entre glicose e proteína são de um modo geral conhecidas como reações de Maillard. Produtos decorrentes dessas reações no organismo podem gerar compostos derivados da glicose capazes de se combinar com vários tipos de moléculas, formando estruturas irreversíveis a que Cerami e colaboradores dão o nome de produtos finais glicosilados avançados.
Uma das propriedades desses produtos é provocar o entrelaçamento das proteínas adjacentes. O entrelaçamento derivado da glicose, cuja estrutura química se conhece, é um produto de nome complicado, abreviadamente chamado de FFF. Ele já foi encontrado no organismo.
Foi em estudo sobre o diabetes que primeiro se percebeu que a reação de Maillard pode ocorrer no organismo e possivelmente lesá-lo. Cerami entende que, sendo a glicose reativa quando transformada pela reação de Maillard, seu excesso no sangue poderia ser mais do que mero indicador, mas um fator potencial de complicações diabéticas, desde perturbações sensoriais até insuficiência renal. Daí partiu para ligar ao excesso de produtos glicosilados finais as alterações que marcam a senescência.
Os estudos sobre senescência começaram pelas cataratas. Ensaios de laboratório revelaram que a glicose pode produzir estado semelhante à catarata, com entrelaçamento de proteínas.
Por outro lado, pesquisas sobre a dura-máter, o saco de colágeno que separa o cérebro do crânio, mostram que produtos finais da glicosilação avançada podem se acumular no colágeno e transformá-lo em estrutura rígida.
Outras observações abrangem a ação dos produtos finais no colágeno da parede arterial e na membrana basal dos capilares, o que explicaria por que os diabéticos têm tendência para aterosclerose e trombose.
Cerami e colaboradores também verificaram que os produtos de glicosilação avançada podem alterar o próprio DNA (material básico da genética) e explicar mutações que podem ocorrer no envelhecimento.
O objetivo final dessas pesquisas é descobrir meios de prevenir ou protelar os efeitos debilitantes do diabetes e do envelhecimento. Se correta a hipótese básica da glicosilação, esses efeitos poderiam ser mitigados pela prevenção dos entrecruzamentos criados pela glicose ou pelo aumento dos processos biológicos que acarretam a eliminação dos produtos finais glicosilados. Quanto à primeira meta, os pesquisadores já desenvolveram uma droga promissora -a aminoguanidina-, experimentada em ratos diabéticos. Quanto à segunda, os autores depositam esperanças no papel dos macrófagos, que são células removedoras de resíduos. Por enquanto está provado que os macrófagos têm grande avidez pelos produtos glicosilados avançados. Os pesquisadores estão estudando outros meios de acelerar a remoção desses produtos finais.


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