|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERISCÓPIO
Glicose e envelhecimento
JOSÉ REIS
especial para a Folha
A. Cerami e colaboradores sugerem que as combinações não
enzimáticas da glicose com as
proteínas podem contribuir para o declínio que o envelhecimento acarreta ao funcionamento das células e dos tecidos.
Essas combinações também
causariam vários processos patológicos, como muitos dos que
ocorrem no diabetes. Aliás, essa
doença pode ser encarada como
uma espécie de modelo do que
acontece no envelhecimento.
As reações não-enzimáticas
entre glicose e proteína são de
um modo geral conhecidas como reações de Maillard. Produtos decorrentes dessas reações
no organismo podem gerar
compostos derivados da glicose
capazes de se combinar com vários tipos de moléculas, formando estruturas irreversíveis a que
Cerami e colaboradores dão o
nome de produtos finais glicosilados avançados.
Uma das propriedades desses
produtos é provocar o entrelaçamento das proteínas adjacentes.
O entrelaçamento derivado da
glicose, cuja estrutura química se
conhece, é um produto de nome
complicado, abreviadamente
chamado de FFF. Ele já foi encontrado no organismo.
Foi em estudo sobre o diabetes
que primeiro se percebeu que a
reação de Maillard pode ocorrer
no organismo e possivelmente
lesá-lo. Cerami entende que,
sendo a glicose reativa quando
transformada pela reação de
Maillard, seu excesso no sangue
poderia ser mais do que mero indicador, mas um fator potencial
de complicações diabéticas, desde perturbações sensoriais até
insuficiência renal. Daí partiu
para ligar ao excesso de produtos
glicosilados finais as alterações
que marcam a senescência.
Os estudos sobre senescência
começaram pelas cataratas. Ensaios de laboratório revelaram
que a glicose pode produzir estado semelhante à catarata, com
entrelaçamento de proteínas.
Por outro lado, pesquisas sobre a dura-máter, o saco de colágeno que separa o cérebro do
crânio, mostram que produtos
finais da glicosilação avançada
podem se acumular no colágeno
e transformá-lo em estrutura rígida.
Outras observações abrangem
a ação dos produtos finais no colágeno da parede arterial e na
membrana basal dos capilares, o
que explicaria por que os diabéticos têm tendência para aterosclerose e trombose.
Cerami e colaboradores também verificaram que os produtos de glicosilação avançada podem alterar o próprio DNA (material básico da genética) e explicar mutações que podem ocorrer no envelhecimento.
O objetivo final dessas pesquisas é descobrir meios de prevenir
ou protelar os efeitos debilitantes
do diabetes e do envelhecimento. Se correta a hipótese básica da
glicosilação, esses efeitos poderiam ser mitigados pela prevenção dos entrecruzamentos criados pela glicose ou pelo aumento
dos processos biológicos que
acarretam a eliminação dos produtos finais glicosilados. Quanto
à primeira meta, os pesquisadores já desenvolveram uma droga
promissora -a aminoguanidina-, experimentada em ratos
diabéticos. Quanto à segunda, os
autores depositam esperanças
no papel dos macrófagos, que
são células removedoras de resíduos. Por enquanto está provado que os macrófagos têm grande avidez pelos produtos glicosilados avançados. Os pesquisadores estão estudando outros
meios de acelerar a remoção desses produtos finais.
Texto Anterior: Livros Próximo Texto: Agenda Índice
|