São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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RUMO AO ESPAÇO

Marcos Cesar Pontes decola às 23h29 de base no Cazaquistão rumo à Estação Espacial Internacional, onde ficará por oito dias

Brasileiro parte para o espaço hoje à noite

SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A BAIKONUR

O astronauta Marcos Cesar Pontes já pode se dizer completamente pronto para a missão. Anteontem, no Centro de Lançamento de Baikonur, ele recebeu a última sessão de instruções para a condução dos experimentos programados em sua visita à ISS (Estação Espacial Internacional). Hoje, às 23h29 (hora de Brasília), ele decola rumo à estação.
Pontes havia recebido instruções para sete dos oito experimentos nacionais durante seu treinamento em Moscou. O oitavo, chamado NIP (Nuvens de Interação Protéica), ainda carecia das devidas explicações, que agora foram finalmente transmitidas em Baikonur, Cazaquistão, por um grupo encabeçado por um dos criadores do experimento, Aristides Pavani, do Centro de Pesquisas Renato Archer, em Campinas, interior paulista.
O NIP é o experimento que mais exigirá de Pontes. Ele envolve a observação de reações de proteínas bioluminescentes, entre elas as responsáveis pela luz que emana do traseiro dos vaga-lumes, em uma câmara fechada.
De todos os experimentos nacionais embarcados na chamada Missão Centenário, o NIP é o menos convencional. Além de sua natureza científica, o projeto também envolverá um lado estético -é o primeiro experimento a ser realizado no espaço que foi desenvolvido numa parceria entre pesquisadores e artistas.
É o único dos oito que mereceu atenção e admiração manifesta dos russos. "Os experimentos brasileiros em geral já foram realizados no âmbito dos programas russos, europeu e americano", disse Sergei Ferlov, responsável pela avaliação de segurança nos experimentos envolvendo aspectos biológicos na empresa RSC Energia (pronuncia-se "Enérguia"), companhia que fabrica os foguetes e as naves Soyuz.
"Mas há um experimento, chamado NIP, que é bem interessante. Tecnicamente, ele foi desenhado de uma forma original."
Quando perguntado se os pesquisadores russos tinham interesse em também analisar os resultados obtidos pelo experimento brasileiro, Ferlov se saiu com uma boa. "Não queremos comer o bolo deles", brincou.
O NIP também é o experimento que mais exige do astronauta.
"O Marcos terá de fazer todos os ajustes, realizar o experimento, ver se ficou bom, fazer de novo, se sentir necessidade", disse Pavani. "E o comandante [Pavel Vinogradov] também terá de participar. Sua função será registrar o Marcos realizando o experimento."
Esse registro será importante para avaliar o desempenho e o que pode ser melhorado para a condução dos testes em órbita.
Com a finalização das instruções sobre os experimentos, o único impedimento que poderia se interpor entre Pontes e sua viagem espacial é a saúde. Mas não vai acontecer, segundo Luiz Claudio Luttis, médico da Aeronáutica que acompanha o brasileiro.
"Ele já está bem para o vôo, não vai passar por mais nenhum exame", disse o médico. "Deve apenas passar por umas medições para controle de perda de peso durante a missão. Mas ele está ótimo, apenas ansioso para voar."
De acordo com Luttis, Pontes deve perder cerca de três quilos em sua missão, mas isso se deve principalmente à redistribuição de líquidos no corpo num ambiente sem sensação de peso.
O período previsto de recuperação para o astronauta brasileiro na Cidade das Estrelas, em Moscou, é de cerca de duas semanas.
O foguete que levará Pontes ao espaço também já está pronto. Ontem ele fez sua primeira viagem, de trem: um trajeto de cerca de três quilômetros até sua plataforma de lançamento. O procedimento de transporte do enorme lançador tomou boa parte da manhã de terça-feira em Baikonur.

Trenzinho cazaque
O gigante foi tirado do prédio em que é montado às 7h. Mais uma tradição russa estava em andamento: foi nessa mesma hora, em 1961, que o foguete de Yuri Gagarin foi retirado para o transporte para a plataforma -a mesma que será usada agora.
Na época, havia uma justificativa para o horário. Como o antigo programa soviético era totalmente secreto, era melhor realizar o procedimento enquanto ainda estava escuro -o céu é negro às 7h em Baikonur nesta época.
Hoje, o motivo é apenas manter uma tradição que deu sorte desde o início. E, claro, dar tempo para que o foguete passe por suas últimas checagens e abastecimento.
O foguete leva o nome de Soyuz-FG, versão mais recente dos velhos lançadores R-7, que têm servido religiosamente os russos em suas investidas no espaço desde a decolagem do Sputnik, primeiro satélite artificial, em 1957.
Trata-se de um monstrengo de 39 metros de altura, composto por três estágios ("andares"). Queimando um "andar" por vez e descartando-o assim que o combustível dele acaba, reduz-se a massa total que precisa continuar a ser empurrada para cima, aumentando a eficiência.
Com isso, é possível atingir uma órbita terrestre baixa, que exige uma velocidade de aproximadamente 28 mil quilômetros por hora, e chegar à ISS, que agora orbita a Terra a cerca de 350 km de altitude. Para realizar a proeza, o foguete queima pouco menos de 200 toneladas de combustível -uma combinação de querosene e oxigênio líquido.
Mas, de tudo que deixa a Terra, a única coisa que chega realmente ao final da viagem é a pequena nave Soyuz TMA-8, com sete metros de comprimento -e três tripulantes a bordo, incluindo Pontes.

Reservas
A contagem regressiva começou até mesmo para quem não vai voar. Ao trio de astronautas reservas que substituiria o russo Pavel Vinogradov, o americano Jeffrey Williams e o brasileiro Marcos Cesar Pontes, coube ontem o privilégio de poder testemunhar o posicionamento do lançador que levará os titulares.
Fiódor Yurtchikhin, substituto de Vinogradov, foi quem melhor definiu a sensação. "É como se você tivesse um terno Versace e então não pudesse usá-lo."
Michael Fincke, substituto de Jeffrey Williams, até arriscou a falar algumas palavras em português, concluindo com um entusiástico "Viva Brasil!"
Já ao russo Sergei Volkov coube a ser o substituto de Pontes. Ele conta que o brasileiro conquistou a simpatia dos russos, que vêem em seu sorriso algo de outro pioneiro do espaço: Yuri Gagarin.


NA TV: Bandeirantes, Cultura, Globo, Record e RedeTV!, ao vivo, 23h29
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