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MARCELO GLEISER
Cordas e partículas
Será que vamos detectar dimensões extra do espaço?
De vez em quando, leitores pedem que eu escreva sobre as
supercordas, essa tentativa de
construir uma teoria que unifique a
matéria e as interações que definem
suas propriedades. Neste ano, com a
inauguração, na Suíça, de uma máquina chamada Grande Colisor de Hádrons (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), as supercordas poderão ter seu primeiro teste experimental, mesmo que indireto. A expectativa
é alta. Milhares de artigos (talvez dezenas de milhares) foram escritos nas
últimas duas décadas sobre as supercordas e suas várias implicações.
Carreiras inteiras vêm sendo dedicadas à construção da teoria. Mesmo
que nada seja encontrado no LHC, a
teoria continuará viva, na prática. Mas
a ausência de qualquer sinal não será
vista com bons olhos pela maioria dos
físicos. Afinal, a física é uma ciência
empírica, que depende da validação
de suas teorias por experimentos.
A teoria de cordas é uma tentativa
de resolver um dos dilemas mais fundamentais da física: a incompatibilidade entre a mecânica quântica, que
descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, como elétrons e quarks, com a teoria de
Einstein para a gravidade, a chamada
teoria da relatividade geral.
À primeira vista, a incompatibilidade das duas não é surpreendente. Afinal de contas, uma delas lida com o
mundo do muito pequeno, enquanto a
outra lida com o do muito grande, como estrelas e a expansão do Universo.
Porém, uma das conseqüências da expansão cósmica é que o Universo, na
sua infância, era muito menor do que
é hoje. Tão menor que suas propriedades devem poder ser descritas pela física das partículas.
O problema é que, ao aplicarmos a
teoria da relatividade geral a distâncias muito pequenas, obtemos resultados absurdos. Essencialmente, o
problema vem do fato de a força gravitacional cair com o quadrado da distância. Quando essa distância vai a zero, a força vai a infinito. O que fazer?
Entram as supercordas. A idéia é que
as entidades fundamentais da matéria
não são partículas pontuais mas vibrações de tubos de energia, as cordas.
Tal como uma corda de violão, que pode vibrar em freqüências diferentes,
cada uma relacionada com uma nota
musical, as diferentes vibrações das
supercordas estão associadas com as
partículas de matéria e suas forças.
A teoria é extremamente elegante,
seguindo os parâmetros geométricos
da relatividade geral de Einstein e
acomodando-os às leis do mundo
quântico. Vários resultados matemáticos importantes foram obtidos por
físicos trabalhando com a teoria.
As dificuldades começam quando
aprendemos que a teoria das cordas só
faz sentido quando formulada em
mais de três dimensões espaciais e
que demanda a existência de dezenas
de partículas ainda não detectadas.
Onde estão essas dimensões invisíveis
e essas partículas arredias? As dimensões podem ser tão minúsculas que jamais serão detectadas por máquinas
que construirmos.
Entretanto, existem versões da teoria nas quais as dimensões extra podem ter efeitos mensuráveis no LHC.
Será que vamos detectar dimensões
extra do espaço? E o mesmo ocorre
com as partículas extra: algumas versões da teoria prevêem a existência de
partículas detectáveis no LHC.Portanto, a esperança de muitos é que alguns sinais surjam nos detectores.
E se eles não surgirem? Os defensores das supercordas dirão que só com
energias mais altas poderemos detectar sua existência. Os críticos dirão
que a teoria é uma fantasia metafísica
que drena recursos de pesquisas mais
imediatas e importantes. Como disse
Heráclito, a verdadeira constituição
das coisas gosta de se ocultar.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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