São Paulo, sábado, 29 de maio de 2004

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QUÍMICA

Americanos e alemães sintetizam compostos orgânicos improváveis em busca de senso estético e avanço da ciência

Cientistas fazem esculturas moleculares

Divulgação/Science
Ilustração de molécula orgânica feita em laboratório, com duas cadeias de quatro anéis cada


MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"A química cria seu próprio objeto." Seguindo a frase mais famosa do francês Marcellin Berthelot (1827-1907), um dos pais da química orgânica, dois grupos de pesquisadores publicaram artigos na revista Science (www.sciencemag.com) em que realizaram façanhas da síntese orgânica.
Seus produtos, moléculas complexas e artísticas, podem trazer reflexões e conseqüências para campos tão diferentes como a nanotecnologia e a biologia.
A equipe de Fraser Stoddard, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, EUA, sintetizou uma molécula na forma do chamado nó Borromeu -um elo composto por três círculos interligados de tal maneira que, quando um deles se quebra, os outros dois se soltam. A figura é referência em iconografias tão diversas como a cristã, a celta e a japonesa.
Stoddard, 62, utilizou complexos de zinco com moléculas orgânicas como a bipiridina para alcançar o difícil formato. "O nó Borromeu é como o Santo Graal da síntese orgânica. É uma topologia única, extremamente difícil de conseguir, e representa muito para várias culturas humanas", diz o químico escocês, bastante experimentado na "síntese estética". Em 1994, por exemplo, ele fez o símbolo das Olimpíadas.
Já o grupo de Leyong Wang, da Universidade Johannes Gutemberg, em Mainz, na Alemanha, fez outra demonstração de força ao sintetizar duas moléculas, cada uma com quatro anéis mutualmente interligados.
"As possibilidades que a síntese orgânica apresenta são artisticamente fascinantes", diz Stoddard à Folha. Mas para que servem essas moléculas senão para o prazer estético? "Seria difícil também responder isso há 16 anos, quando fizemos nossa primeira molécula mirabolante. Aí um dia descobrimos que ela podia funcionar como um "interruptor molecular" [substância que modula em escala nanométrica, por exemplo, a passagem de corrente elétrica ou o acontecimento de uma reação] essencial na nanotecnologia", diz.
Já um outro trabalho do cientista tem implicações para a biologia. "Fizemos uma molécula que dá boas pistas para o funcionamento de proteínas, que são muito mais complexas que as moléculas que fazemos", diz Stoddard.
No caso do nó Borromeu, embora ainda não tenha uma idéia definida da função de sua molécula, o escocês acredita que ela é mais promissora para a nanomecânica. "Já temos um projeto para utilizar essa molécula para produzir energia para máquinas nanoscópicas a partir do movimento dos anéis", diz o cientista.
Para ele, a principal utilidade da síntese orgânica de formatos é a versatilidade da técnica. "Pode não parecer, mas a "química estética" desenvolve técnicas muito úteis. Você aprende a construir as moléculas como quer, de modo que tenham as propriedades mecânicas ou físicas que você deseja. É uma espécie de engenharia artística molecular", diz Stoddard.
O cientista diz que a criatividade é uma característica essencial em seu ambiente de trabalho. "Só contrato gente criativa, uns caras loucos mesmo. Deixo eles viajarem como quiserem na hora de conceber novos formatos para as moléculas", diz. "Acho fascinante ver que podemos ser artistas assim como cientistas."


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