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+ciência
Psicólogo faz alerta contra a força política do design
inteligente e fala das ameaças à ciência nos EUA hoje
Cético de plantão
Divulgação
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O psicólogo e cético americano Michael Shermer, colaborador da revista "Scientific American" e criador da "Skeptic Magazine" |
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Ser cético nos EUA do segundo reinado de George Bush 2º,
em que a direita radical religiosa vem ganhando cada vez
mais espaço, é um ato político. Ser
conhecido nos meios científicos e
acadêmicos como "o" cético de
plantão, então, torna a pessoa quase
um líder de partido. Essa pessoa hoje
em dia atende pelo nome de Michael
Shermer, e seu partido é a Sociedade
dos Céticos, que o acadêmico americano dirige e cujo slogan é "Aqui Nada é Definitivo... Mas Nós Não Temos Certeza Disso".
Criador também da "Skeptic Magazine" (revista dos céticos) e colunista da revista mensal "Scientific
American", Shermer, 50, psicólogo
de formação, é autor de dezenas de
livros, entre eles o recém-lançado
"Science Friction" (Fricção Científica), sobre a interseção entre a ciência
e a cultura. No intervalo de palestras,
noites de autógrafo e programas de
TV, ele trocou e-mails com a Folha
de sua casa em Altadena, um subúrbio de Los Angeles, na Califórnia.
"O design inteligente não é ciência,
e forçar os professores a ensiná-lo
por coerção do Estado é um perigo",
afirmou. Ele se refere à polêmica recente entre os evolucionistas, que
defendem a teoria da evolução das
espécies de Darwin, e os criacionistas, que fazem lobby para que o governo federal só libere verbas a escolas que ensinem a teoria do design
inteligente, segundo a qual uma inteligência superior teria projetado o
Universo. A seguir, a entrevista:
Folha - O sr. é um cientista num país
em que Darwin está perdendo a batalha, pelo menos na Casa Branca. Nesse sentido, seu livro mais recente,
"Science Friction", pode ser encarado
como um livro também político? Como é a experiência de ser um cético
num país dominado pela "América
Profunda"?
Michael Shermer - Com "Science
Friction", eu tento mostrar como a
ciência se cruza de maneira friccional com o ambiente cultural que a
cerca. Assim, incluo também a política. Escrevo diversos capítulos que
tocam nesse assunto. Por exemplo,
as guerras antropológicas da nação
ianomâmi da Amazônia, muito interessantes, e o paralelo delas na sociedade contemporânea...
Folha - Estou me referindo ao recente avanço nos EUA da teoria do design
inteligente ante a teoria da evolução
das espécies, avanço patrocinado por
grupos religiosos radicais...
Shermer - A polêmica entre o evolucionismo e o criacionismo não é
nova. Vivemos nos EUA um segundo "Julgamento do Macaco" [caso
de 1925, quando o Estado do Tennessee teve contestada na Justiça
uma lei recém-aprovada que proibia
os professores de ensinarem em escolas que recebiam verbas estaduais
que o homem descendia de espécies
inferiores]. A sua mais recente encarnação, agora rebatizada de teoria
do design inteligente, é uma tentativa desesperada de grupos instalados
no governo de forçar os professores
das escolas públicas a ensinar o criacionismo, ou o design inteligente,
como ciência. Como o DI não é ciência, é crença, a única maneira de colocá-lo no currículo é por coerção do
Estado. E isso é um perigo.
Folha - Antes que um cientista comprove sua teoria, também ele tem de
ser um "crente", não?
Shermer - Cientistas não "acreditam" em teorias da mesma maneira
que uma pessoa religiosa "acredita"
em Deus ou nos preceitos gerais desta ou daquela religião. Cientistas são
"crentes" ou "céticos" em relação a
uma hipótese ou teoria específica
baseados na qualidade e na quantidade de provas e também se as descobertas decorrentes dessa hipótese
ou teoria foram comprovadas por
outros cientistas trabalhando na
mesma área. Nesse sentido, nós não
"acreditamos" em evolução, por
exemplo; apenas estamos extremamente confiantes de que tenha acontecido. Isso é o mais longe que você
pode ir na ciência, porque todos os
achados são provisórios, não há verdades absolutas. Só duas: a morte e o
imposto de renda.
Folha - O sr. afirma que a onda de
pessoas que dizem ter sido seqüestradas por extraterrestres equivale à caça às bruxas na Idade Média, ou seja, é
questão de histeria coletiva...
Shermer - Depois de meio século
de observação rigorosa, nós não
conseguimos reunir uma prova que
seja de que alienígenas já estiveram
na Terra. Acho mais possível, mas
extremamente improvável no sentido absoluto, que venhamos a descobrir inteligências alienígenas em algum lugar da galáxia. A probabilidade de haver ETs em algum lugar do
cosmo é extremamente alta, alguns
dizem que chega perto dos 100%,
mas as chances de eles visitarem a
Terra, de mandarem um sinal ou
uma onda de rádio são muito, muito
baixas. Mesmo assim, acho que vale
a pena continuar procurando por
esse sinal, e é só por isso que eu
apóio o grupo Seti (busca por inteligência extraterrestre, em inglês).
Folha - Um dos textos mais comoventes de seu livro trata da morte de
sua mãe, de câncer, e de como o sr. lidou com esse fato nos últimos dias dela. A possibilidade de nunca mais vê-la o fez compreender como pensa um
"crente", ou não-cético?
Shermer - A doença dela me fez entender por que as pessoas recorrem
à chamada "medicina alternativa",
especialmente por que elas ficam desesperadas e se sujeitam a tentar
qualquer coisa. Mas, como eu viria a
descobrir na prática, tentar uma
dessas "curas alternativas" não é um
caso de nada a perder e tudo a ganhar, porque nenhuma delas foi testada direito e há literalmente dezenas de "curas populares para o câncer" no mercado americano.
Além disso, é até possível que uma
das "curas" de que falei na verdade
funcione, mas qual delas? Como nenhuma foi testada com rigor, e você
tem tempo e recursos limitados
quando uma pessoa está doente e
morrendo, tudo depende de qual caminho vai tomar e quanto tempo está disposto a gastar com essas possibilidades, quando poderia passar esse mesmo tempo precioso com a
pessoa que ama. Foi o que fiz.
Folha - Outro bom momento é quando o sr. se faz passar por um paranormal -e consegue enganar todo mundo. Por que teve essa idéia?
Shermer - Bill Nye [William S. Nye,
conhecido como "Bill Nye, the
Science Guy", ou "o cara da ciência",
que tem um programa infantil de
ciência na TV, chamado "The Eyes
of Nye"] me convidou a participar
do segmento de seu programa que
discutiria a paranormalidade. Em
vez de apenas ir lá e explicar como os
truques funcionam, que é o que eu
geralmente faço, Bill achou que seria
mais convincente se eu tentasse ler a
mão de pessoas no ar e deixasse a
própria platéia decidir.
Eu aceitei e fui além: posaria de leitor de cartas de tarô, astrólogo, adivinho. Foi o que aconteceu. Essencialmente, fiz as mesmas previsões e
adivinhações para todos os meus
"clientes". Descobri que não importa a modalidade que você use, importam apenas as coisas que você
diz. Quando consegue estabelecer o
que chamamos de "parcialidade
confirmatória" com o "cliente", ou
seja, o desejo que ele tem de que você
esteja falando a verdade e que o leva
a se lembrar apenas de seus acertos e
a esquecer a maior parte de seus erros, a coisa flui.
Folha - No livro, o sr. coloca lado a
lado o roteirista Gene Roddenberry,
criador da série de TV "Jornada nas
Estrelas", e o paleobiólogo de Harvard Stephen Jay Gould, morto em
2002. Como assim?
Shermer - São exemplos perfeitos
de pessoas que usaram suas vidas
para tocar em questões mais profundas. Um deles usou a ficção científica, no caso de Roddenberry, e o outro os fatos científicos, no caso de
Gould, ambos para fazer comentários sociais. Gould, por exemplo,
deixou textos incríveis sobre os usos
e abusos da ciência na cultura.
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