São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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Psicólogo faz alerta contra a força política do design inteligente e fala das ameaças à ciência nos EUA hoje

Cético de plantão

Divulgação
O psicólogo e cético americano Michael Shermer, colaborador da revista "Scientific American" e criador da "Skeptic Magazine"


SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Ser cético nos EUA do segundo reinado de George Bush 2º, em que a direita radical religiosa vem ganhando cada vez mais espaço, é um ato político. Ser conhecido nos meios científicos e acadêmicos como "o" cético de plantão, então, torna a pessoa quase um líder de partido. Essa pessoa hoje em dia atende pelo nome de Michael Shermer, e seu partido é a Sociedade dos Céticos, que o acadêmico americano dirige e cujo slogan é "Aqui Nada é Definitivo... Mas Nós Não Temos Certeza Disso".
Criador também da "Skeptic Magazine" (revista dos céticos) e colunista da revista mensal "Scientific American", Shermer, 50, psicólogo de formação, é autor de dezenas de livros, entre eles o recém-lançado "Science Friction" (Fricção Científica), sobre a interseção entre a ciência e a cultura. No intervalo de palestras, noites de autógrafo e programas de TV, ele trocou e-mails com a Folha de sua casa em Altadena, um subúrbio de Los Angeles, na Califórnia.
"O design inteligente não é ciência, e forçar os professores a ensiná-lo por coerção do Estado é um perigo", afirmou. Ele se refere à polêmica recente entre os evolucionistas, que defendem a teoria da evolução das espécies de Darwin, e os criacionistas, que fazem lobby para que o governo federal só libere verbas a escolas que ensinem a teoria do design inteligente, segundo a qual uma inteligência superior teria projetado o Universo. A seguir, a entrevista:
 

Folha - O sr. é um cientista num país em que Darwin está perdendo a batalha, pelo menos na Casa Branca. Nesse sentido, seu livro mais recente, "Science Friction", pode ser encarado como um livro também político? Como é a experiência de ser um cético num país dominado pela "América Profunda"?
Michael Shermer -
Com "Science Friction", eu tento mostrar como a ciência se cruza de maneira friccional com o ambiente cultural que a cerca. Assim, incluo também a política. Escrevo diversos capítulos que tocam nesse assunto. Por exemplo, as guerras antropológicas da nação ianomâmi da Amazônia, muito interessantes, e o paralelo delas na sociedade contemporânea...

Folha - Estou me referindo ao recente avanço nos EUA da teoria do design inteligente ante a teoria da evolução das espécies, avanço patrocinado por grupos religiosos radicais...
Shermer -
A polêmica entre o evolucionismo e o criacionismo não é nova. Vivemos nos EUA um segundo "Julgamento do Macaco" [caso de 1925, quando o Estado do Tennessee teve contestada na Justiça uma lei recém-aprovada que proibia os professores de ensinarem em escolas que recebiam verbas estaduais que o homem descendia de espécies inferiores]. A sua mais recente encarnação, agora rebatizada de teoria do design inteligente, é uma tentativa desesperada de grupos instalados no governo de forçar os professores das escolas públicas a ensinar o criacionismo, ou o design inteligente, como ciência. Como o DI não é ciência, é crença, a única maneira de colocá-lo no currículo é por coerção do Estado. E isso é um perigo.

Folha - Antes que um cientista comprove sua teoria, também ele tem de ser um "crente", não?
Shermer -
Cientistas não "acreditam" em teorias da mesma maneira que uma pessoa religiosa "acredita" em Deus ou nos preceitos gerais desta ou daquela religião. Cientistas são "crentes" ou "céticos" em relação a uma hipótese ou teoria específica baseados na qualidade e na quantidade de provas e também se as descobertas decorrentes dessa hipótese ou teoria foram comprovadas por outros cientistas trabalhando na mesma área. Nesse sentido, nós não "acreditamos" em evolução, por exemplo; apenas estamos extremamente confiantes de que tenha acontecido. Isso é o mais longe que você pode ir na ciência, porque todos os achados são provisórios, não há verdades absolutas. Só duas: a morte e o imposto de renda.

Folha - O sr. afirma que a onda de pessoas que dizem ter sido seqüestradas por extraterrestres equivale à caça às bruxas na Idade Média, ou seja, é questão de histeria coletiva...
Shermer -
Depois de meio século de observação rigorosa, nós não conseguimos reunir uma prova que seja de que alienígenas já estiveram na Terra. Acho mais possível, mas extremamente improvável no sentido absoluto, que venhamos a descobrir inteligências alienígenas em algum lugar da galáxia. A probabilidade de haver ETs em algum lugar do cosmo é extremamente alta, alguns dizem que chega perto dos 100%, mas as chances de eles visitarem a Terra, de mandarem um sinal ou uma onda de rádio são muito, muito baixas. Mesmo assim, acho que vale a pena continuar procurando por esse sinal, e é só por isso que eu apóio o grupo Seti (busca por inteligência extraterrestre, em inglês).

Folha - Um dos textos mais comoventes de seu livro trata da morte de sua mãe, de câncer, e de como o sr. lidou com esse fato nos últimos dias dela. A possibilidade de nunca mais vê-la o fez compreender como pensa um "crente", ou não-cético?
Shermer -
A doença dela me fez entender por que as pessoas recorrem à chamada "medicina alternativa", especialmente por que elas ficam desesperadas e se sujeitam a tentar qualquer coisa. Mas, como eu viria a descobrir na prática, tentar uma dessas "curas alternativas" não é um caso de nada a perder e tudo a ganhar, porque nenhuma delas foi testada direito e há literalmente dezenas de "curas populares para o câncer" no mercado americano.
Além disso, é até possível que uma das "curas" de que falei na verdade funcione, mas qual delas? Como nenhuma foi testada com rigor, e você tem tempo e recursos limitados quando uma pessoa está doente e morrendo, tudo depende de qual caminho vai tomar e quanto tempo está disposto a gastar com essas possibilidades, quando poderia passar esse mesmo tempo precioso com a pessoa que ama. Foi o que fiz.

Folha - Outro bom momento é quando o sr. se faz passar por um paranormal -e consegue enganar todo mundo. Por que teve essa idéia?
Shermer -
Bill Nye [William S. Nye, conhecido como "Bill Nye, the Science Guy", ou "o cara da ciência", que tem um programa infantil de ciência na TV, chamado "The Eyes of Nye"] me convidou a participar do segmento de seu programa que discutiria a paranormalidade. Em vez de apenas ir lá e explicar como os truques funcionam, que é o que eu geralmente faço, Bill achou que seria mais convincente se eu tentasse ler a mão de pessoas no ar e deixasse a própria platéia decidir.
Eu aceitei e fui além: posaria de leitor de cartas de tarô, astrólogo, adivinho. Foi o que aconteceu. Essencialmente, fiz as mesmas previsões e adivinhações para todos os meus "clientes". Descobri que não importa a modalidade que você use, importam apenas as coisas que você diz. Quando consegue estabelecer o que chamamos de "parcialidade confirmatória" com o "cliente", ou seja, o desejo que ele tem de que você esteja falando a verdade e que o leva a se lembrar apenas de seus acertos e a esquecer a maior parte de seus erros, a coisa flui.

Folha - No livro, o sr. coloca lado a lado o roteirista Gene Roddenberry, criador da série de TV "Jornada nas Estrelas", e o paleobiólogo de Harvard Stephen Jay Gould, morto em 2002. Como assim?
Shermer -
São exemplos perfeitos de pessoas que usaram suas vidas para tocar em questões mais profundas. Um deles usou a ficção científica, no caso de Roddenberry, e o outro os fatos científicos, no caso de Gould, ambos para fazer comentários sociais. Gould, por exemplo, deixou textos incríveis sobre os usos e abusos da ciência na cultura.


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