São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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BIOTECNOLOGIA

Bezerra Vitoriosa, fabricada pela Embrapa com célula de vaca clonada de um embrião, teve morte súbita

Clone de clone morre antes dos 4 meses

Eraldo Peres-19.fev.2004/Associated Press
A bezerra Vitoriosa, da Embrapa, clone de outro clone, Vitória, que também aparece na foto


ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) anunciou ontem a morte da bezerra Vitoriosa, clonada a partir da vaca Vitória, o primeiro clone bovino da América Latina. Ela morreu em 30 de maio, pouco antes de completar quatro meses.
Segundo os pesquisadores da Embrapa, não há evidências de que a morte de Vitoriosa tenha relação com o fato de ter sido clonada. A bezerra da raça simental teve morte súbita, e os exames indicaram como causa um "choque cardiogênico", em conseqüência de hipertensão arterial.
A Embrapa estuda se irá clonar um novo animal a partir de Vitória. Vitoriosa era a terceira e mais bem-sucedida tentativa da Embrapa de criar um clone a partir de outro clone. No ano passado, tinham morrido duas outras "cópias" de Vitória, uma no oitavo mês de gestação e outra 36 horas depois de nascer. As mortes, por complicações no parto, não foram atribuídas à clonagem.
Clonada a partir de células da orelha de Vitória, a bezerra nasceu com uma temperatura corporal pouco acima do normal. O quadro se normalizou em duas semanas, mas representou um indício de hipertensão arterial.
Vitoriosa recebeu o nome depois de completar dez dias de vida. Segundo Rodolfo Rumpf, líder das pesquisas de reprodução animal da Embrapa, a bezerra mereceu o nome por ter resistido à primeira semana, quando são registrados os maiores índices de mortalidade entre animais clonados. O risco, segundo ele, se mantém alto da concepção até o final do primeiro ano.
Rumpf explicou que Vitoriosa apresentava instintos de animais normais e foi uma bezerra sadia até o último dia de vida. "Ela procurou a mãe e brincou. Foi encontrada morta uma hora depois da última observação."
Vitoriosa era acompanhada pelo professor José Renato Borges, responsável pelo Hospital Veterinário da UnB (Universidade de Brasília). Segundo ele, a bezerra era tão saudável e aumentou tanto de peso que chegava a ser um problema examiná-la. Ao longo dos quase quatro meses, ela engordou cerca de 1,2 quilo por dia, um padrão entre crias da raça.
O professor de Patologia Veterinária da UnB Janildo Ludolf Reis Júnior, responsável pela necropsia da bezerra, disse que não encontrou indícios ou anormalidades. "Se eu não soubesse que se tratava de um animal clonado, jamais descobriria", disse.
Ao anunciar a morte, Rumpf enfatizou a importância de Vitoriosa. "Apesar de ela ter ido, trouxe uma contribuição muito grande à ciência", disse. Para ele, "cada clone é um laboratório diário de transformação".
A morte, segundo Rumpf, não diminuiu a experiência. "A experiência negativa terá uma importância maior para vermos onde estão os problemas", disse.
Outro aspecto importante da experiência continua vivo: a vaca Vitória, de cujas células Vitoriosa foi produzida. Para os pesquisadores, fazer um clone sadio de Vitória significa mostrar que ela é um animal estável, comparável aos bovinos "naturais".
Vitória, que nasceu em 2001, está prenha e irá dar à luz entre o final de setembro e a metade de outubro. "Ela está muito bem", disse Rumpf, da Embrapa.

Valor genético
Diferentemente de Dolly, a ovelha clonada em 1997 na Escócia, Vitória não é uma cópia de um animal adulto. A vaca foi criada a partir de uma célula de um embrião de cinco dias. Células de glândulas mamárias de uma fêmea foram usadas para criar Dolly, que se tornou "cópia" da mãe.
O projeto que resultou em Vitória começou a ser desenvolvido em 1984. Para os cientistas, um dos objetivos das experiências é ajudar na multiplicação de animais de alto valor genético. Por isso a escolha pela raça bovina.
Além de Vitória, a Embrapa trabalha com outra vaca clonada -Lenda, copiada a partir de células de uma vaca já morta.
Ainda neste ano, professores do Hospital Veterinário da UnB devem iniciar uma pesquisa com animais não-clonados para criar um parâmetro de comparação entre animais copiados e tradicionais. Além de descobrir se doenças como a hipertensão arterial ocorrem em bovinos não-clonados, os pesquisadores querem determinar detalhes mais simples, como comportamento ou expectativa de vida dos animais.


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