São Paulo, sexta-feira, 29 de junho de 2007

Próximo Texto | Índice

Físicos da USP acusam diretor de plágio

Grupo de professores diz que chefe do Instituto de Física copiou artigos de colegas; episódio abre crise entre docentes

Cientista reage dizendo que colega também publicou trechos copiados de outros autores; sindicância na reitoria fará investigação

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma acusação de plágio que envolve artigos científicos assinados pelo diretor do IF (Instituto de Física), da Universidade de São Paulo, Alejandro Szanto de Toledo, abriu ontem uma crise entre os professores da entidade. A denúncia, que circula internamente entre um grupo de físicos desde abril, aponta entre os artigos plagiados dois trabalhos do professor Mahir Hussein, da própria USP, recém-aposentado.
Um artigo publicado pelo grupo de Szanto na revista "Physical Review C" está sendo investigado por plágio, e outro na "Nuclear Physics A", foi retratado (anulado). Um terceiro, na "Physics Letters B" é questionado por seus colegas.
As denúncias contra Szanto foram encaminhadas à Reitoria da USP. "Será montada uma comissão e tudo será apurado com todo o cuidado", disse à Folha Mayana Zatz, pró-reitora de Pesquisa. Ela descartou a hipótese de Szanto ser afastado temporariamente antes disso. "Não é o procedimento tomar uma atitude de cara."
Szanto reagiu ontem à acusação, reconhecendo "erros de referenciamento", mas dizendo que o artigo foi submetido para publicação sem seu conhecimento por outro integrante de seu grupo. Hussein rejeita a explicação: "Se isso não é plágio, então eu não sei o que é plágio", diz.
O diretor se diz perseguido. "Não sou o autor principal desse artigo, não sou o orientador do trabalho desse artigo, mas sou a pessoa visada", disse. "Tudo isso aqui é uma ação política, não tem nada de acadêmico."
Sua outra estratégia de defesa foi o ataque. Ontem, numa reunião de docentes do IF , Szanto apresentou em público trechos de um artigo de Hussein que apontavam trechos copiados de outros trabalhos. "Não o acusei de nada, apenas mencionei que ele esqueceu o referenciamento."
O episódio de ontem foi o ápice de uma escaramuça que se iniciou logo que a denúncia do plágio cometido pelo grupo de Szanto aflorou. Professores do IF ouvidos pela Folha afirmam que, em um primeiro momento, o diretor prometeu apurar o caso internamente, mas depois tentou criar barreiras à apuração.
Szanto teria tentado encerrar o assunto após atribuir toda a culpa a um único membro de seu grupo, convencendo-o a escrever uma carta de retratação à revista "Physical Review C", que publicou o estudo questionado. A Folha teve acesso ao documento, assinado pelo físico Nelson Carlin, do grupo de Szanto. "Gostaria de deixar claro que sou o único responsável pela redação e submissão desse artigo" escreveu Carlin. O pesquisador não foi encontrado em sua sala ontem à tarde, quando a Folha o procurou.

Ameaça
O físico Élcio Abdalla, chefe do departamento em que Hussein trabalha, diz que sofreu uma ameaça de retaliação quando ele e outros colegas tentavam encaminhar o caso para apuração na reitoria. "Ele [Szanto] disse para mim que tinha uma caixa de Pandora", afirmou. A retaliação seria a revelação de um dossiê "de 10 a 15 centímetros de espessura" onde afirma que há sete professores do IF envolvidos em cópias de trechos de trabalhos.
Abdalla enviou ontem uma carta à Reitoria pedindo, então, que a contradenúncia também fosse apurada. "No caso de o dossiê não existir fica caracterizada uma denúncia vazia", diz.
Além da Reitoria da USP, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável pela concessão de bolsas a cientistas, também confirmou que está apurando o caso, mas não se pronunciará por enquanto.
A entidade periodicamente contabiliza a quantidade de artigos publicados por cientistas para avaliar quais merecem receber bolsas de mérito por alta produtividade. Estudos retratados (anulados) por problemas de plágio ou desvios éticos não entram na conta.
Benjamin Gibson, editor da "Physical Review C", disse à Folha que não pode revelar ainda o que será feito do estudo questionado, pois o processo na revista é confidencial.
O grupo de Szanto, porém, já teve um estudo retratado na revista "Nuclear Physics A". A revista não diz qual foi o motivo da retirada -mas declara que seus casos de retratação se aplicam a "violações de códigos éticos profissionais".
Szanto afirma que o artigo foi anulado a seu pedido. "Quem retratou o artigo fomos nós, os autores", diz. Mais uma vez, disse, um integrante de seu grupo teria redigido e enviado um trabalho a uma revista sem consultar os colegas de grupo.

Aposentadoria
Hussein, ouvido ontem pela Folha, diz que as justificativas de Szanto para negar a acusação não o convenceram.
Iraquiano naturalizado brasileiro e professor da USP desde os anos 1960, Hussein pediu aposentadoria nesta semana, "para conseguir continuar trabalhando". Antes de a controvérsia tomar proporção, o professor chegou a pedir ao diretor a permissão para manter uma sala no instituto. O pedido foi negado depois disso. Em julho, Hussein viaja para um período de trabalho na Alemanha.
"Ele diz que se compromete a [continuar a] administrar aulas, que é uma exigência regimental para esses casos, só que ele vai estar no exterior", diz Szanto. "Como ele pode dar aula se vai estar no exterior?"


Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.