|
Índice
Físico usa Lua para buscar matéria escura
Entidade misteriosa que compõe 85% da massa do Universo pode deixar "sombra" na Terra quando ocultada pelo satélite
Telescópio tentará enxergar sinal emitido por partículas invisíveis seguindo pista de experimento espacial que detectou anomalia em 2008
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela é o tipo de matéria mais
abundante que há. Está em todo lugar, mas ninguém a vê. Os
cientistas só sabem que ela
existe porque, sem a gravidade
que exerce, estrelas pulariam
para fora das galáxias. E, como
se não bastasse ser invisível, a
chamada matéria escura tem
driblado teóricos que tentam
explicá-la. Uma série de experimentos novos, porém -um deles realizado na "sombra" da
Lua-, promete trazer novas
pistas para resolver o enigma.
Esse campo de estudo começou a passar por uma reviravolta no ano passado, quando o satélite científico Pamela detectou no espaço um número inesperadamente grande de pósitrons -a partícula elementar
equivalente ao elétron, mas
com carga positiva. Físicos logo
apontaram que o excesso de
pósitrons seria fruto de colisões de nuvens de matéria escura no centro da galáxia. O impacto aniquilaria as misteriosas partículas invisíveis, convertendo-as em outras visíveis.
Essa teoria, porém, gerou
mais controvérsia do que comemoração. Os misteriosos
pósitrons, afinal, não eram
muito energéticos, e poderiam
estar vindo de objetos como
pulsares -corpos estelares
com forte campo magnético.
Desde então, físicos experimentais vêm propondo observações que possam confirmar
os dados do Pamela capturando
partículas mais energéticas
-resultantes da violenta aniquilação da matéria escura.
Há uma dificuldade, porém,
em distinguir pósitrons de elétrons que chegam à Terra. Ao
atravessar a atmosfera, ambos
perdem a identidade, e fica impossível saber se as partículas
positivas realmente estão em
número maior que o esperado.
Mas cientistas trabalhando
no Magic -um telescópio das
Ilhas Canárias capaz de detectar sinais de elétrons e pósitrons- acabam de propor uma
solução. Como o campo magnético da Terra interfere na
trajetória de pósitrons e elétrons, a "sombra" da Lua para
as primeiras partículas ficaria
deslocada das segundas, como
na visão de uma pessoa embriagada.
Bastaria então apontar várias
vezes o Magic para as bordas da
Lua quando ela estiver passando na frente do centro da galáxia e contar os pósitrons.
"Ainda neste ano testaremos
a viabilidade dessa medição",
disse à Folha Pierre Colin, físico integrante do projeto que
elaborou a ideia. "Não vai ser
uma coisa fácil, porque a luz do
luar gera um sinal de fundo que
atrapalha muito, mas queremos trabalhar nisso."
A ideia, lançada no início do
mês, colocou a física experimental em clima de corrida.
Um telescópio espacial já em
órbita, o Fermi/Glast, pode
chegar na frente do Magic, sem
precisar da Lua. "Temos a capacidade de medir elétrons e
pósitrons, e portanto podemos
corroborar medidas feitas por
outros experimentos", diz
Eduardo do Couto e Silva, brasileiro envolvido no projeto
americano. Segundo ele, a observação de partículas a taxas
previstas pelos teóricos "pode
dar prêmio Nobel", e há muitos
físicos de olho no problema.
Enquanto astrônomos vivem
um momento de euforia, porém, físicos lutam para criar hipóteses que acomodem os dados observados sem ter de remendar muito as teorias mais
plausíveis. "Ver excesso apenas
de pósitrons, por exemplo, é
um problema", diz Rogério Rosenfeld, da Unesp. Segundo ele,
as teorias mais limpas indicam
que outros tipos de partícula
deveriam ser geradas na aniquilação de matéria escura.
Em vez de ajudar a fechar o
cerco em torno do enigma, afinal, o Pamela e outros experimentos vêm abrindo o leque de
possibilidades. E ainda resta
saber se futuras observações
vão enxergar a mesma coisa.
Índice
|