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Estudo vê "urbanismo" antigo no Xingu
Pesquisadores dos EUA e do Brasil dizem que vilas pré-históricas eram comparáveis a pequenas cidades-estado gregas
Padrão urbanístico teria
surgido a partir de 1200 d.C.;
aldeias fortificadas de até
2500 pessoas se ligavam por
estradas a centros religiosos
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Um grupo de pesquisadores
do Brasil e dos EUA acaba de
desferir uma bordunada na
idéia de que a Amazônia pré-cabralina era habitada pelos
proverbiais índios pelados morando no mato. Pelados, talvez.
Mas, pelo menos no alto Xingu,
afirmam os cientistas, eles moravam era em cidades.
Um artigo publicado hoje no
periódico "Science" sustenta
que, entre os anos 1200 e 1600,
a sociedade xinguana desenvolveu um tipo de urbanismo pré-histórico, comparável a algumas "pôleis" gregas.
"Falar em urbanismo tem
um caráter provocador", admite o antropólogo Carlos Fausto,
do Museu Nacional. Ele é um
dos líderes da pesquisa, ao lado
da lingüista Bruna Franchetto,
da mesma instituição, e do arqueólogo americano Michael
Heckenberger, da Universidade da Flórida. "Não era, claro,
como a Mesopotâmia, mas
existe uma sistemática, como
se houvesse uma planificação",
continua. "Não são aldeias perdidas na floresta."
Escavações feitas por Heckenberger com a ajuda dos índios cuicuros revelaram uma
densa rede de estradas que cortavam toda a região onde hoje
está o Parque Indígena do Xingu. Em pelo menos dois locais,
as escavações revelaram vilas
muradas de até 50 hectares
(hoje, a média das aldeias xinguanas é de 6 hectares) e aldeias menores, de cerca de 10
hectares cada. Todas eram ligadas por estradas a centros cerimoniais com grandes praças.
Esses conjuntos habitacionais são descritos como aglomerados urbanos "galácticos",
com aldeias que gravitavam em
torno de um local que claramente era o centro político e
religioso da urbe xinguana.
Desmatadores
A julgar pela quantidade de
vestígios, o Xingu pré-conquista deveria ser densamente povoado. Heckenberger estima
em até 100 mil o número de
pessoas habitando a região. Cada vila poderia comportar até
2.500 pessoas -uma aldeia cuicuro atual tem menos de 300.
Essa população pré-histórica
transformou a paisagem. O que
hoje parece uma imensa floresta virgem, afirmam os pesquisadores, abrigou no passado extensas roças, pomares e tanques para a criação de tartarugas. Ou seja, as florestas são
"antropogênicas" -matas secundárias que cresceram depois que epidemias dizimaram
a maior parte dos índios.
"Não é como [a agricultura
feita por] Blairo Maggi, mas havia um uso ativo da terra", brinca Heckenberger, em alusão ao
governador de Mato Grosso,
grande plantador de soja.
Segundo o arqueólogo, o planejamento urbano amazônico
pré-histórico era mais complicado do que o da Europa medieval. "Lá você tinha a "town"
[vila] e a "hinterland" [zona rural] sem integração. Aqui estava tudo junto", diz.
A organização espacial xinguana também denota uma
hierarquia política entre vilas
que remete às cidades-estado
gregas. Cada "aglomerado galáctico" era um centro independente de poder, que provavelmente mantinha relações
com outros aglomerados.
"Você não encontra uma capital da região", diz Carlos
Fausto. "O maior nível de organização é a vila cerimonial."
Gaveta
Para o arqueólogo Eduardo
Neves, da USP, que não participou do estudo, o maior mérito
do trabalho é definir melhor o
que se entende por "sociedade
complexa" na Amazônia. Afinal, o modo de vida atual dos índios espelha o padrão pré-colonial ou o genocídio da conquista riscou do mapa organizações
políticas e sociais muito mais
complexas que as de hoje?
"A gente fala em complexidade na Amazônia Central, em
Santarém e na ilha de Marajó,
mas ninguém qualificou isso
direito ainda", diz Neves.
A antropologia tradicional
divide os índios em "Estados"
(como o inca) e "populações de
terras baixas" (os "bárbaros").
"Há uma gaveta nos modelos
para encaixar a Amazônia, mas
algumas sociedades demandam uma entrada oblíqua",
afirma Heckenberger.
O trabalho do americano e de
seus colegas tem revelado que,
no caso do Xingu, um bom grau
de complexidade social ainda
existe: a organização das aldeias hoje é uma espécie de versão em miniatura do passado.
Até a orientação das casas dos
chefes dentro de uma aldeia
circular cuicuro, a norte-noroeste e a sul-sudeste da praça
central, espelha a posição das
cidades antigas em relação aos
grandes centros cerimoniais.
Outra evidência de continuidade é o fato de os próprios cuicuros saberem onde ficam os
assentamentos antigos e terem-nos revelado aos pesquisadores. Por conta disso, o chefe
Afukaká Kuikuro é um dos autores do artigo na "Science".
"O pai do nosso vovô já contava que antigamente tinha
muita gente aqui", contou Afukaká, por telefone. "Aí o Mike
veio com o computador e mostrou que era isso mesmo."
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