São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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MINHA HISTÓRIA
EUGENE CERNAN


Georgios Kefalas/Associated Press
Eugene Cernan durante palestra na Suíça, em 2009

RESUMO
Eugene Andrew Cernan, 76, foi o último ser humano a deixar o satélite natural da Terra, partindo com a nave Apollo 17, derradeira missão tripulada a chegar à Lua, em dezembro de 1972. Neste depoimento, ele conta como quase esteve também entre os primeiros visitantes do solo lunar e diz que a humanidade não pode dar as costas para o espaço.

(...) Depoimento a
SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ninguém garantiu para mim, quando fui para a Lua, que eu voltaria para casa. Nós tínhamos de ser audaciosos. Entre 1969 e 1972, estive lá duas vezes. A primeira foi com a missão Apollo 10.
Originalmente, na criação do programa, a primeira tentativa de pouso seria na quarta missão. Apollo 7, 8, 9... Apollo 10 era a quarta. Mas então os planos tiveram de mudar, porque o Módulo Lunar [responsável pelo pouso] estava atrasado.
Se eu gostaria de ter estado no primeiro pouso? Claro que sim. Mas do jeito que aconteceu foi até melhor, porque tive a chance de voltar e comandar a tripulação que eu escolhi, e essa minha segunda missão lunar, a Apollo 17, acabou sendo o último voo até a Lua, o voo mais longo, o primeiro e único lançamento noturno. Não lamento nada.
A Apollo 17 já foi acusada de ter sido a missão em que nós mais nos divertimos na Lua. Conseguimos realizar muitas coisas, fizemos tudo que precisávamos fazer, todos os experimentos, mas nos divertimos também.
Eu disse aos meus dois colegas: "Vocês só vão vir para esses lados uma vez. Portanto, aproveitem. Não se preocupem com a questão de conseguir ou não voltar para casa. O negócio é deixar para pensar isso durante a viagem de volta. Na hora em que tivermos de iniciar o retorno, esse é o instante certo para fazer uma pequena oração. Não antes, OK? Então aproveitem". E foi o que fizemos.

LÁ EM CIMA
Passamos três dias morando na Lua. Mas isso não quer dizer que tivemos muito tempo para refletir sobre o impacto do que estávamos fazendo. Lá em cima, o tempo é seu maior amigo, porque ele lhe dá a oportunidade de estar lá, mas é também seu maior inimigo, porque você nunca tem o suficiente dele.
Em todos os três voos espaciais que fiz, fiquei muito ocupado. E trabalhar em gravidade zero, na superfície da Lua, sempre deixa o sujeito com as mãos cheias. Nós gostávamos do que fazíamos, mas estávamos trabalhando feito loucos lá em cima.
Claro, você olha para fora, vê a Terra e se pergunta: "Eu estou mesmo aqui? Isso é real?", mas não fica lá parado, pensando na vida.
Quando fui escalado para o meu voo na Gemini, fui o segundo americano a caminhar no espaço. Foi uma experiência incrível. Eu nunca tive tempo de pensar muito a respeito. Depois que voltei para a Terra, fui escalado para ser astronauta reserva em outro voo. Quando aquele voo partiu, fui chamado para treinar para outro voo.

RESERVA DE NOVO
E quando voltei daquele voo, fui reserva de outro, e assim por diante. E você nunca tem tempo de olhar por cima dos ombros e compreender o que acabou de fazer. Levou 25 anos para que alguém me convencesse a escrever um livro. Fiz isso, dez anos atrás, e fiquei feliz, porque finalmente me deu tempo de olhar para trás e refletir sobre o que aconteceu.
Meu livro se chama "The last man on the moon" ("O último homem na Lua"), mas eu nunca pensei, em 1972, que manteria esse título por tanto tempo. Eu previa que estivéssemos a caminho de Marte na virada do século. Meu cronograma está um tanto desajustado.
Eu dizia àquelas crianças de escola, na época das missões Apollo, que seriam elas que nos levariam a Marte. E nós iremos. Não sei se eu verei acontecer, mas iremos. Minha geração pensou que a atual teria essa oportunidade, e era para inspirar isso que trabalhávamos.
De lá para cá, as coisas mudaram. Não acho que isso tenha sido só com o programa espacial, é uma mudança de geração. As novas gerações, meus filhos, meus netos, todo mundo quer uma garantia. O mundo tem se tornado avesso ao risco de aceitar certos desafios, como os que aceitamos ao ir para a Lua. Sabe, a Apollo 12 decolou para a Lua no meio de uma tempestade. Hoje, se há uma nuvem no céu, a gente não lança um ônibus espacial. Nós tendemos a ficar mais conservadores.
Até certo ponto, isso é bom. Tenho sido uma espécie de embaixador de segurança de voo para a Bombardier [empresa canadense fabricante de aviões] e acho que o programa espacial contribui muito para a prevenção de acidentes na aviação. Temos uma cultura acostumada a avaliar, reduzir e administrar riscos.
Quando você decide ir à Lua, você admite estar em sério perigo, e faz tudo para reduzi-lo ao máximo. Quando voa a 51 mil pés [15 km] de altitude sobre o oceano, também está em perigo. A 51 mil pés sobre o Atlântico ou o Pacífico -eis um lugar inusitado para estar caso você tenha um problema. É a cultura de administrar os riscos, que depois precisa ser passada também a quem vai pilotar.

NO MANCHE
Não estou falando de lidar com o manche ou coisas do tipo, mas das decisões. Pegue, por exemplo, o caso recente do acidente com o presidente da Polônia. O piloto estava sob pressão e decidiu voar mesmo com as condições meteorológicas bem abaixo do mínimo aceitável.
Tomou, conscientemente, uma decisão estúpida. É preciso encorajar a cultura, bastante comum no programa espacial, de avaliar bem os riscos. E, depois da avaliação, você precisa se perguntar: vale a pena corrê-los?
A diferença é que, no programa espacial, há um limite para isso. Você pode se tornar tão conservador, tão avesso ao risco, que fica perigoso demais atravessar a rua.
Acredito que precisamos de uma meta mais agressiva. Algo como decidir que iremos a Marte, e no caminho para Marte provavelmente voltaremos à Lua, para realizar diversas coisas que não tivemos chance de fazer na primeira vez em que estivemos lá. E no caminho também provavelmente visitaremos um asteroide ou algo do tipo. Não podemos dar as costas ao nosso futuro. Você não pode virar as costas para a exploração. Essa é a essência do programa espacial.


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