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AMBIENTE
Incêndios de julho a setembro passam de 300 mil, 20% a mais que no ano passado; espécies endêmicas correm risco
Queimadas ameaçam reservas do cerrado
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
As áreas de proteção ambiental
do cerrado passam por mais uma
temporada de incêndios, causados pelo uso das queimadas no
manejo do solo. O número de focos de incêndio detectados por
satélite, em todo o país, já é pelo
menos 20% maior neste ano que
no mesmo período de 2002 -e
60% dos focos se localizam no
cerrado, um dos ecossistemas
mais ameaçados do Brasil.
Embora o problema seja comum no fim da estação seca, os
danos à biodiversidade poderão
ser mais graves neste ano. Entre as
maiores preocupações está a área
do Jalapão (TO), ainda pouco estudada e com espécies que só aparecem ali (alto grau de endemismo, como dizem os biólogos).
"É o esperado, mas é frustrante", disse à Folha Heloiso Bueno
Figueiredo, 59, chefe do Centro
Nacional de Prevenção e Controle
de Incêndios Florestais do Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis). Para ele, quase todos os incêndios são gerados pela
ação humana, já que as tempestades de raios que podem incendiar
a vegetação só começam com a
estação chuvosa, em outubro.
Pelo menos seis incêndios em
áreas protegidas foram combatidos pelo Ibama neste mês. Entre
as áreas afetadas estão o Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), o Parque Nacional da
Ilha Grande (entre Paraná e Mato
Grosso do Sul), o Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), o
Parque Nacional de Itatatiaia
(RJ), o Parque Nacional do Araguaia (TO) e a região tocantinense
do Jalapão, que pode ter perdido
80% da Estação Ecológica Serra
Geral, de acordo com o governo
do Estado (veja o quadro acima).
"Os dados sobre os danos ainda
são estimativas, que precisam ser
revisadas", ressalva Figueiredo.
"No geral, a situação parece pior
do que no ano passado no país todo. De julho a setembro, houve
243 mil focos de incêndio [em
2002], enquanto já temos mais de
300 mil neste ano. E o cerrado responde por cerca de 60% disso",
diz o biólogo Ricardo Bomfim
Machado, 41, diretor do Programa Regional do Cerrado da ONG
Conservation International.
De certo modo, o cerrado é o
ecossistema brasileiro mais preparado para lidar com o problema dos incêndios. "Estudos históricos mostram que a paisagem do
cerrado, como as árvores com
cascas grossas e troncos retorcidos, foi moldada pelo fogo", diz
Figueiredo. O grande problema,
contudo, é que a ocupação agropastoril do bioma pode ter levado
a ação desse elemento a um novo
patamar, bem menos benigno.
Mais que o natural
"O perigo é a situação atual", explica Machado. "A análise do pólen acumulado no fundo de lagoas desde 18 mil anos atrás sugere que a frequência dos incêndios
ficou cerca de 30 vezes maior. Temos incêndios de dois em dois
anos, ou anualmente. A gente não
tem uma idéia clara de como isso
está afetando a fauna, mas é possível que extinções locais estejam
ocorrendo", alerta o biólogo.
O ritmo desenfreado dos incêndios tem origem certa: as queimadas que acontecem em volta das
áreas protegidas, o modo mais rápido e barato para preparar o solo
ou limpar o terreno para o cultivo
no fim da estação seca. Queimando pastagens antigas pouco antes
das primeiras chuvas, os criadores garantem que o capim rebrote
mais palatável para o gado.
Para Machado, a situação atual
é preocupante por afetar áreas
que devem ter alto endemismo.
Um pássaro como o chororozinho-do-bananal (Cercomacra
ferdinandi), por exemplo, só existe na região do Parque Nacional
do Araguaia e é considerado espécie vulnerável pelo Ibama.
Os recursos para o combate ao
fogo e para a prevenção são escassos, afirma Figueiredo: "Nós tínhamos R$ 9 milhões previstos
no orçamento deste ano, dos
quais só cerca de R$ 3 milhões foram liberados até agora. Precisaríamos de R$ 50 milhões". Há
cerca de 1.500 pessoas (entre funcionários e brigadistas temporários) capacitadas para lidar com o
problema nas cerca de 60 unidades federais de preservação.
"Precisamos investir na prevenção. Dá para diminuir muito o
risco de a queimada se espalhar
orientando os produtores para
que usem aceiros [áreas limpas
de vegetação nas bordas do trecho que vai ser queimado], que
impedem que as chamas os ultrapassem", afirma Figueiredo.
Um sistema inaugurado anteontem na serra do Curral, perto
de Belo Horizonte, busca outra
forma de evitar que o problema
comece: na estação seca, aspersores umedecem a vegetação, minimizando o risco de fogo.
"Além disso, precisamos criar
alternativas de uso e manejo da
terra", diz Figueiredo. Machado
concorda: "É preciso incentivar
uma diversificação maior das atividades. Não dá para ficar com
1.000 ha só de pastagem".
Colaborou a Agência Folha, em Belo Horizonte
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