São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2007

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Americano "reinventa" mecanismo de Kyoto

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Como diria uma certa apresentadora de TV brasileira, George W. Bush deu uma guinada "de 360 graus" em suas posições sobre a crise climática: virou, virou e acabou voltando para o mesmo lugar. Em seu discurso de ontem, insistiu que as metas de redução de gases-estufa devem ser domésticas e voluntárias e que devem ser perseguidas por meio de novas tecnologias de energia limpa.
Como fez anteontem sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, Bush tentou vender o peixe da "revolução tecnológica" para reduzir emissões "de uma maneira que não sabote o crescimento econômico". Como Rice, não convenceu.
A principal novidade da fala do presidente foi a proposta aos grandes emissores "de que nos juntemos juntos [sic] para criar um novo fundo internacional de tecnologia limpa". Esse fundo seria alimentado por contribuições de governos do mundo inteiro e ajudaria a financiar projetos de energia limpa nos países em desenvolvimento.
Onde foi que você ouviu isso antes? Ah claro: no Protocolo de Kyoto! O acordo internacional contra os gases-estufa, que Bush espezinhou em 2001 e contra o qual tem trabalhado sistematicamente, possui um dispositivo chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Que serve exatamente para financiar energia limpa nos países em desenvolvimento.
Pelo MDL, países ricos podem descontar de suas metas obrigatórias de redução as emissões poupadas por projetos de energia limpa no Terceiro Mundo. Mesmo tendo rejeitado Kyoto, Bush não poderia ignorar a existência de tal mecanismo -afinal, ele foi co-inventado pelos EUA, em 1997.
É estranho que o presidente queira reinventar a roda a esta altura do campeonato, a menos que sua real intenção seja manter o tal fundo a ser criado numa espécie de trilho paralelo, fora de um eventual acordo pós-Kyoto pelo qual o mundo deva adotar uma meta comum de redução de emissões.
Isso facilitaria a estratégia de estimular a venda de tecnologias novas e caras produzidas por empresas americanas, por um lado, protegendo por outro o setor "fóssil" da economia do país, que perderia com a adoção de compromissos internacionais obrigatórios. A Europa e o Japão têm a dianteira hoje na indústria energética limpa.
Como competitividade é o nome do jogo no clima, Bush voltou a dar sinais de que, mais uma vez, correr de compromissos internacionais é exatamente o que seu governo pretende.
Delegados europeus presentes ao encontro em Washington disseram ao jornal "The Independent" que as declarações do texano foram "profundamente cínicas". Um deles as descreveu como uma tentativa nua e crua de minar os esforços das Nações Unidas.
"O que ficou claro é o quão isolados os EUA ficaram; não houve apoio à abordagem de Bush", disse ao "Independent" John Ashton, embaixador do clima do Reino Unido. "Uma abordagem voluntária de redução de gases-estufa dificilmente seria mais bem-sucedida do que limites voluntários de velocidade nas estradas."


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