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Americano "reinventa" mecanismo de Kyoto
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Como diria uma certa apresentadora de TV brasileira,
George W. Bush deu uma guinada "de 360 graus" em suas
posições sobre a crise climática: virou, virou e acabou voltando para o mesmo lugar. Em seu
discurso de ontem, insistiu que
as metas de redução de gases-estufa devem ser domésticas e
voluntárias e que devem ser
perseguidas por meio de novas
tecnologias de energia limpa.
Como fez anteontem sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, Bush tentou vender o
peixe da "revolução tecnológica" para reduzir emissões "de
uma maneira que não sabote o
crescimento econômico". Como Rice, não convenceu.
A principal novidade da fala
do presidente foi a proposta aos
grandes emissores "de que nos
juntemos juntos [sic] para criar
um novo fundo internacional
de tecnologia limpa". Esse fundo seria alimentado por contribuições de governos do mundo
inteiro e ajudaria a financiar
projetos de energia limpa nos
países em desenvolvimento.
Onde foi que você ouviu isso
antes? Ah claro: no Protocolo
de Kyoto! O acordo internacional contra os gases-estufa, que
Bush espezinhou em 2001 e
contra o qual tem trabalhado
sistematicamente, possui um
dispositivo chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Que serve exatamente para
financiar energia limpa nos
países em desenvolvimento.
Pelo MDL, países ricos podem descontar de suas metas
obrigatórias de redução as
emissões poupadas por projetos de energia limpa no Terceiro Mundo. Mesmo tendo rejeitado Kyoto, Bush não poderia ignorar a existência de tal mecanismo -afinal, ele foi co-inventado pelos EUA, em 1997.
É estranho que o presidente
queira reinventar a roda a esta
altura do campeonato, a menos
que sua real intenção seja manter o tal fundo a ser criado numa espécie de trilho paralelo,
fora de um eventual acordo
pós-Kyoto pelo qual o mundo
deva adotar uma meta comum
de redução de emissões.
Isso facilitaria a estratégia de
estimular a venda de tecnologias novas e caras produzidas
por empresas americanas, por
um lado, protegendo por outro
o setor "fóssil" da economia do
país, que perderia com a adoção
de compromissos internacionais obrigatórios. A Europa e o
Japão têm a dianteira hoje na
indústria energética limpa.
Como competitividade é o
nome do jogo no clima, Bush
voltou a dar sinais de que, mais
uma vez, correr de compromissos internacionais é exatamente o que seu governo pretende.
Delegados europeus presentes ao encontro em Washington disseram ao jornal "The Independent" que as declarações do texano foram "profundamente cínicas". Um deles as
descreveu como uma tentativa
nua e crua de minar os esforços
das Nações Unidas.
"O que ficou claro é o quão
isolados os EUA ficaram; não
houve apoio à abordagem de
Bush", disse ao "Independent"
John Ashton, embaixador do
clima do Reino Unido. "Uma
abordagem voluntária de redução de gases-estufa dificilmente seria mais bem-sucedida do
que limites voluntários de velocidade nas estradas."
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