São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2001

Próximo Texto | Índice

FÍSICA

Grupo emite pulso de raios X com quintilionésimos de segundo, tempo em que só um tipo de partícula parece mover-se

Técnica quebra recorde e flagra elétrons

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Alguns cientistas deixaram a classe dos fotógrafos com inveja hoje, convencendo átomos a posar para eles. Eles divulgaram um jeito de tirar "fotos" (na verdade, medir propriedades) de átomos como se estivessem parados, desafiando o passar do tempo.
A estratégia deve abrir um novo campo de pesquisa, a chamada attofísica -responsável por estudar coisas que se movem em escalas de tempo medidas em attossegundos. Um attossegundo é um jeito chique de dizer "um instante". Equivale a um quintilionésimo (ou 0,000000000000000001) de segundo. Se ele fosse um segundo, um segundo seriam 32 bilhões de anos -mais que o dobro da idade do Universo.
Nessa escala é possível, por exemplo, ver os elétrons se moverem em torno dos núcleos atômicos, enquanto todo o resto da matéria parece estar estacionado.
Sondar propriedades de partículas, como prótons, nêutrons e elétrons, é algo que só pode ser feito quando se lança sobre elas um certo feixe, normalmente feito de fótons (as partículas que compõem a radiação eletromagnética, cujo padrão mais popular é o da luz visível). É a interação dos fótons com a partícula a ser estudada que fornece a medição.
Para observar movimentos cada vez mais rápidos, é preciso ter feixes de luz cuja duração também seja cada vez menor. E a duração mínima de um disparo se relaciona com seu comprimento de onda. Essa medida determina que tipo de radiação está sendo emitido (além de luz visível, outras variedades famosas são infravermelho, ultravioleta e raios X).
Foi aí que os cientistas toparam com um problema. Eles até conseguiam emitir um feixe com comprimento de onda bem curto, mas não conseguiam ao mesmo tempo dispará-lo apenas por um minúsculo período de tempo.
Eis que entrou em cena a equipe chefiada por Ferenc Krausz, da Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria, publicada hoje na "Nature" (www.nature.com). A solução dele e de seus colegas é muito mais uma questão de engenhosidade do que de tecnologia.
Para perscrutar coisas na attoescala, eles puseram a natureza para trabalhar para eles. O pulso que emitiram não era nada inovador -um laser de luz visível com duração de femtossegundos, mil vezes mais que os cobiçados atto.
Só que, ao atingir uma nuvem de átomos de neônio, o pulso induziu a geração de um outro disparo a partir dela, esse sim no formato de raios X e na mesma direção que o original -só que com duração de 650 attossegundos.

Bom, mas não o bastante
A pesquisa conseguiu romper a barreira dos femtossegundos ao fazer medições de propriedades de uma nuvem de átomos de criptônio. Mas ainda não tem rapidez suficiente para observar bem o movimento dos elétrons.
"Esse movimento pode acontecer numa escala de tempo tão curta quanto poucas dezenas de attossegundos, uma ordem de magnitude menor que a que demonstramos", disse Krausz à Folha. "Ainda há muito a ser feito."
Mesmo assim, o pesquisador aposta que eles abriram uma porta que não será fechada tão cedo. "Estamos confiantes de que esses resultados vão disparar atividades de pesquisa em um vasto número de laboratórios no mundo todo e, por isso, o progresso até uma tecnologia estabelecida será rápido. Digamos, um, dois anos."
Para Yaron Silberberg, cientista do Instituto Weizmann de Ciência (Israel) que comentou o estudo para a "Nature", o próximo passo agora "deve ser melhorar a técnica para que possa ser usada para praticar um pouco de física real -entender algo novo".
Ou, como Krausz coloca, descobrir "quantos segredos a natureza ainda guarda e o quanto devemos lutar para desvendar esses segredos e sermos capazes de fazer a natureza trabalhar para nós". E ele conclui poeticamente: "Há trabalho mais bonito que esse?"


Próximo Texto: Revista destaca trabalhos de "nanofotografia"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.