São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Próximo Texto | Índice

Onça mata cria por pressão ambiental, diz pesquisa

Parque Nacional das Emas registra caso inédito de infanticídio entre felinos

Em Goiás, pai perseguiu por mais de 40 km seu casal de filhotes, segundo estudo, para ter mais chances de procriar de novo com fêmea

Leandro Silveira/CI-Brasil
Onça-pintada se alimenta no Parque Nacional das Emas


EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

A pressão ambiental ao redor do Parque Nacional das Emas, em Goiás, uma ilha de cerrado cercada de soja por todos os lados, pode estar causando um estresse excessivo na população de onças-pintadas que vivem na região e transformando os bichos em infanticidas.
O primeiro registro de matança deliberada de filhotes por um macho nessa espécie de felino, diz um grupo de pesquisadores, é evidência de que algo de errado deve estar ocorrendo com os animais. O caso foi descrito em um estudo na revista científica brasileira "Genetics and Molecular Biology".
"O infanticídio é documentado entre tigres, leões e leopardos fora do Brasil e não chega a ser um comportamento em si totalmente surpreendente. O problema é o padrão estudado agora no Parque das Emas", afirmou à Folha o biólogo Leandro Silveira, especialista em felinos do Fundo de Conservação das Onças-Pintadas e da Associação Pró-Carnívoros.
Como os animais são monitorados por meio de um colar, o grupo conseguiu acompanhar com precisão os passos tanto do pai como dos dois filhotes.
A onça (Panthera onca) macho, animal de oito anos de vida e aproximadamente 90 quilos, matou e depois comeu parcialmente seu casal de filhotes. Ambas as crias tinham nove meses de idade.
A caçada demorou dias e a perseguição se deu por mais de 40 km. O filhote macho morreu dois dias depois da fêmea. O episódio, apesar de ter sido descrito pelos biólogos apenas agora, ocorreu em 2001.
"Nossa primeira hipótese era de que o macho estava ajudando ainda no cuidado dos filhotes, mas não foi isso o que ocorreu. Esse desvio de conduta está muito provavelmente relacionado ao isolamento do parque. Existe uma superpopulação. Isso acaba influenciando no comportamento dos animais", explica Silveira.

Competidores
A distância percorrida pelo macho atrás dos filhotes -ele saiu da área geográfica ocupada normalmente por uma onça- é uma das principais pistas que levaram os cientistas a classificar de anormal o comportamento visto por eles. "É um contra-senso evolutivo. A quantidade de energia gasta na perseguição é muito alta. O alimento da onça é obtido de forma bem mais "barata" normalmente", disse Silveira.
Mesmo no Parque das Emas, o comum é ver uma onça se alimentando de queixadas, antas e tamanduás-bandeira. "O que ocorreu é que o macho resolveu que precisava retirar os filhotes da frente para poder, de qualquer forma, acasalar com a fêmea novamente."
A população de onças do parque, formada por aproximadamente 30 animais, está distribuída em uma área de 132 mil hectares. Desse total, apenas 40% é considerado como o habitat ideal para os felinos.
O trabalho demorou muito tempo para ser concluído, exatamente, porque o macho rastreado havia entrado na área ocupada por um outro macho da mesma espécie. Era preciso fazer todos os testes genéticos para saber com certeza se o pai fora o autor das mortes.
"Caso não fosse, a história mudaria totalmente. Seria um simples caso de competição por alimento, o que também poderia ser relacionado com pressão ambiental", explica o biólogo. Mesmo na natureza, em condições normais em que os animais têm grande disponibilidade de espaço, não é comum um macho encontrar um outro e simplesmente matá-lo.

Padrão africano
"Existe um comportamento agressivo, claro. Mas um dos envolvidos acaba evitando o contato e foge da área. Existem várias formas de afastar um outro macho, seja por meio de sons ou com o cheiro". Segundo Silveira, o mais esperado é que depois do nascimento das crias, tanto o macho quanto a fêmea se dispersem geograficamente e cada um arrume uma área totalmente diferente para viver. O macho, principalmente, quanto mais longe melhor. A fêmea, quase sempre, procura um local próximo para morar.
"Em fazendas da África, onde o ambiente é alterado, é normal o surgimento de machos [de leão] que matam seus filhotes", explica Silveira, que já tem mais um caso fora dos padrões para analisar. "Há alguns dias, no Pantanal, uma fêmea de um ano e dois meses foi morta por outra onça, em condições pouco usuais."

Leia o estudo original sobre as onças www.scielo.br


Próximo Texto: Comitê inocenta revista em caso de clones falsos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.