São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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NO CORAÇÃO DA ANTÁRTIDA

Com janela de bom tempo, expedição retoma pesquisas

Após um dia inteiro de vento forte, geógrafos conseguiram coletar amostras de rochas e sedimentos em uma geleira

Formação fica em encosta de montanha que cientistas apelidaram de "vale da avalanche", por causa de neve acumulada na beirada

Toni Pires/Folha Imagem
Ulisses Bremer, da UFRGS, recolhe amostras de rocha em uma das encostas dos montes Patriot

MARCELO LEITE
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA

No primeiro dia da equipe da Folha na Antártida, anteontem (sábado), o clima teve quase um "branco total" ("whiteout"). Não dava nem vontade de pôr o pé para fora da barraca.
O início foi promissor, com sol brilhando às 7h30 (horário chileno, 8h30 no Brasil) e temperatura de -8C (graus Celsius negativos). Antes das 10h começou o vento, levando a sensação térmica para -16C e levantando neve para todo lado.
Só não houve "whiteout" completo porque ainda se divisavam as barracas uma da outra. Nessas condições, o trabalho de campo fica impraticável. Nenhuma equipe da Expedição Deserto de Cristal -pioneira missão científica brasileira no interior do continente- se aventurou "na rua", como dizem os oito pesquisadores.
Já o segundo dia começou com muito sol, depois de uma "noite" inteira de rajadas violentas (na realidade, o sol nunca se põe no verão austral). O plano às 10h era sair para coletar amostras geológicas com os cientistas Rosemary Vieira e Ulisses Franz Bremer, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS ) a 2,5 km. Aí o vento disparou, com rajadas de 60 km/h.
Passaram-se três horas na barraca da cozinha, à temperatura de 5C. É a mais confortável, depois do módulo de fibra de vidro ocupado pelo líder da expedição, o glaciologista Jefferson Simões, da UFRGS.
Às 13h15, o vento amainou. O grupo de quatro pessoas -dois cientistas e dois jornalistas- saiu em duas motos de neve.
As três horas seguintes se passaram numa encosta dos montes Patriot que Vieira apelidou de "vale da avalanche", por causa da neve acumulada na encosta em forma de parábola. Na boca inferior da parábola, uma linha de grandes blocos de rocha arrastadas pelo gelo em movimento, formação conhecida como "moraina".
O repórter fotográfico Toni Pires seguiu com seu piloto, Bremer, pela direita da encosta, onde havia mais gelo. Vieira seguiu pela esquerda, onde havia mais neve e pedras. Ambos estudam como a geleira se formou na encosta e como ela se comporta. Quem olha para o monte não imagina que se trate de uma geleira, pela quantidade de rochas espalhadas, que lhe dão uma cor enegrecida contrastante com a neve.
É quando começa a coleta de amostras que a natureza do terreno vem à tona, literalmente. Pedras e pedrisco formam uma camada superficial, que variou de 3 cm a 13 cm em menos de uma dezena de locais de coleta. Abaixo dela, só há gelo.
Na superfície, as rochas escuras absorvem energia do sol e se aquecem a 7,1C. Positivos. Isso modifica também o microclima local, aquecendo o ar a 3,8C. São dez graus acima do que fazia no acampamento sobre o gelo azul, mais além da pista onde pousam os aviões que trazem turistas, aventureiros e cientistas aos montes Patriot, a cerca de 1.000 km do pólo Sul.

Ansiedade climática
No sábado, o mau tempo havia sido o mesmo que atrasara por dez dias o vôo da empresa Logística e Expedições Antárticas (ALE) de Punta Arenas (Chile) para Patriot. O tempo bom durou pouco, o suficiente para levar 47 pessoas e lotar os 55 lugares do vôo de retorno.
Vários dos passageiros ansiosos pela volta eram competidores da 4ª Maratona de Gelo Antártica, encerrada dia 15, que também estavam retidos por falta de condições meteorológicas. Passar o Natal na Antártida não estava no programa.
Alpinistas recém-chegados são os ansiosos agora. Eles pagaram coisa de US$ 20 mil para escalar o maciço Vinson, montanha mais alta da Antártida.
Até o fim da tarde de ontem, ninguém havia decolado para Vinson. A longa espera nos hotéis e restaurantes de Punta Arenas se transformou em nova espera -agora nas geladas barracas da ALE em Patriot. Mas pelo menos é na Antártida.


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