São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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EDUCAÇÃO

Universidades e governos federal e estadual lançam iniciativas para ampliar a popularização da ciência no país

Divulgação científica tem ofensiva inédita

FLÁVIO DIEGUEZ
ANDRÉ CHAVES DE MELO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O Brasil está preparando um movimento ambicioso para ampliar a divulgação e o noticiário de ciência. Os sinais dessa ofensiva são muitos e prometem mudar o panorama da popularização do conhecimento científico no país.
O lance mais recente da iniciativa partiu da Estação Ciência, ligada à USP, que lançou na semana passada o livro "Educação para a Ciência". Destinada a ser um manual para formação de divulgadores em museus de ciência, a obra reúne, em 678 páginas, ensaios escritos por 131 pessoas. Levou um ano e meio para ser concluída.
Segundo o organizador do livro, o físico Ernst Hamburger, diretor da Estação Ciência, trata-se da maior coletânea de artigos já publicada nessa área. "O objetivo é promover o intercâmbio de informações e experiências entre os profissionais que trabalham nesses espaços de ensino informal e de divulgação das ciências", afirmou Hamburger.
O livro deverá contribuir nas futuras ações dos novos museus de ciência da USP. No final deste ano, a universidade dará início à construção de um setor de museus em seu campus principal, na capital paulista.
O local reunirá os museus já existentes de Arqueologia e Etnologia (MAE) e o de Zoologia (MZ), aos quais se juntará o Museu de Ciências, criado no ano passado. Essa nova instituição "vai funcionar como um grande pólo gerador de exposições e outros projetos que divulguem os conhecimentos gerados na USP", afirma Maria Ruth Amaral de Sampaio, diretora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) e presidente da comissão de implantação do setor de museus.

Ciências da Terra
O conjunto todo sugere um megaprojeto comparável apenas ao futuro Parque das Ciências da Terra e do Universo, que a USP pretende montar na antiga sede do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), no Parque do Estado, junto ao Jardim Zoológico.
Além do setor dos museus, a universidade também criou a disciplina Divulgação de Ciências Físicas e Naturais, na área de graduação, cuja aula inaugural aconteceu no último dia 9. "Esperamos, em breve, disponibilizar o curso para todas as áreas", afirma Ernst Hamburger.
E vêm por aí mais duas novidades. Em fevereiro, a Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência conseguiu aprovar uma verba de R$ 450 mil do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para a criação de um portal na internet que, em 2003, deverá congregar sites de 120 centros e museus de ciência brasileiros.
Um mês antes, os participantes do 4º Congresso Mundial de Centros e Museus de Ciência, realizado em Sidney, Austrália, haviam decidido que o Brasil, pela primeira vez, sediará um encontro dessas entidades, um dos acontecimentos mais importantes do mundo no gênero. O seu 5º Congresso será realizado em 2005, no Rio de Janeiro.

Institutos do Milênio
O governo federal também está tomando uma série de iniciativas na área de divulgação. Uma delas é o programa Educação para a Ciência, do CNPq, que recebeu, em 2001, R$ 5,2 milhões. O projeto foi criado em 2000 e seus recursos já fomentam atividades educacionais e de divulgação.
O CNPq também destinou, no ano passado, R$ 9,8 milhões à implantação dos chamados Institutos do Milênio. Trata-se de 17 redes ligadas pela internet que congregam instituições científicas de ponta, universidades e grupos de pesquisadores com o objetivo de tornar a ciência brasileira mais competitiva e integrada no cenário internacional.
A novidade é que, além das atividades de pesquisa, a divulgação para o grande público do conhecimento gerado é obrigatória na agenda dos institutos. Em São Paulo, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) fez algo parecido ao criar os Cepids (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão), nos quais também se considera a divulgação científica como parte fundamental das atividades. Segundo José Fernando Perez, diretor científico da entidade, a Fapesp deverá investir nessa área, em parceria com o governo do Estado, cerca de R$ 15 milhões anuais durante 10 anos.

Jornalismo científico
A movimentação não pára por aí, mas basta isso para dar uma idéia da urgência que parece ter-se instalado entre cientistas, educadores e autoridades do mundo da pesquisa quanto à necessidade de levar ciência às massas. A Fapesp também deu um passo nesse sentido neste mês, ao abrir para assinaturas e venda em banca a revista "Pesquisa Fapesp", que aborda pesquisas financiadas pelo órgão. Sua tiragem vai de 24 mil para 30 mil exemplares.
"Ao disponibilizarmos a revista nas bancas, pretendemos estimular o aumento do público leitor da ciência nacional", disse Perez.
Já o Laboratório de Jornalismo da Unicamp, o Labjor, lança, em 2003, um mestrado em jornalismo científico. Motivo: o curso de especialização em jornalismo científico está batendo recordes, recebendo até 230 inscrições para 30 vagas. "Entendemos que era hora de criar um mestrado na área", explica Carlos Vogt, coordenador do Labjor e responsável pela equipe da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que vai lançar, em julho, o novo projeto editorial da revista "Ciência e Cultura", dando mais espaço à divulgação da ciência para o grande público.
Na nova fase, ela terá tiragem de 30 mil exemplares, um custo de R$ 110 mil por edição e periodicidade bimestral.
Ainda na área de mídia, o Brasil entra no cenário internacional da divulgação com a realização do 3º Congresso Mundial de Jornalistas Científicos, que acontecerá na Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos, SP, em novembro. O evento ocorre juntamente com o 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico. Na mesma ocasião, deverá ser fundada a Federação Mundial de Jornalismo Científico.
Para Fabíola Oliveira, da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, o cenário atual mostra que a divulgação científica está vivendo um momento de grande expansão, cuja origem se encontra nas atuais demandas da sociedade. "Entretanto, as iniciativas são isoladas, o que acaba favorecendo a perda de uma parcela desse potencial de expansão. Nos EUA e em países da Europa, a divulgação científica e, consequentemente, a popularização da ciência, fazem parte, de maneira altamente organizada, das metas das políticas públicas", disse. "O que falta, agora, é a criação de um Plano Nacional de Divulgação e Popularização da Ciência", afirmou.
Depois do longo processo de preparação, no entanto, a tendência é um crescimento persistente, como se vê pelo caso dos Institutos do Milênio, que deverá receber mais R$ 90 milhões, até 2003, do CNPq e do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia). O CNPq tem ainda um Programa para Publicações Científicas, pelo em parte voltado para a divulgação, cujo orçamento cresceu nada menos que 62% nos últimos dois anos, atingindo R$ 3,6 milhões.

Reforma
Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, a divulgação científica é um meio de garantir a continuidade da reforma pela qual passa hoje a política científica brasileira.
Essa reforma pode dobrar o ritmo de crescimento da ciência no país, que já é três vezes maior que a média mundial, formando, atualmente, 6.000 doutores ao ano -o mesmo nível da Itália. "Como a divulgação da ciência desperta o interesse da população, ter o apoio dela é a melhor maneira de garantir a continuidade e o crescimento da pesquisa no país", afirmou o ministro.


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